Raquel Brito, Jornal i online
A ausência de visibilidade das vítimas da criminalidade económica não é sinónimo da sua inexistência
O conceito white-collar crime surgiu pela primeira vez com Edwin Sutherland, na 34ª reunião anual da Sociedade de Criminologia Americana, em 1939. O sociólogo associou a criminalidade económica a indivíduos providos de responsabilidades (nomeadamente sociais, empresariais e públicas) e com elevado estatuto social. Desconstruindo, deste modo, algumas condições de outos modelos teóricos, para os quais o crime está mormente correlacionado com as condições físicas e psicológicas individuais, e que reiteram que grande parte da essência criminal reside na pobreza dos indivíduos. Desta forma, surge algum desvalor pelas teorias que condicionam as atividades criminosas exclusivamente à “anormalidade” dos indivíduos, reconhecendo-se que estes atos envolvem o comum cidadão. Em boa verdade, é quebrado o ciclo ao qual subjaz a estigmatização associada às classes mais desfavorecidas.
A realidade nacional (e internacional) demonstra, diariamente, que a criminalidade é transversal a todos os cidadãos, quer como autores de crimes quer como vítimas deles. Mas, a presente crónica reporta à atitude pública face ao crime de colarinho branco e ao castigo a mesma lhe dita.
Longe de minimizar os crimes das elites, estudos recentes revelam que na grande maioria das vezes a opinião pública tende a considerar estes crimes como sendo tão graves quanto a criminalidade violenta. Encontrando-se geralmente mais inclinada a apoiar punições severas contra os seus perpetradores. No mesmo contexto, a literatura tem vindo a demonstrar a predominância de um endurecimento das atitudes públicas em relação aos criminosos de colarinho branco. Apesar destes permanecerem ainda significativamente mais propensos a evitar processos criminais e encarceramento em comparação com os infratores de rua. Como afirmaria Maurice Cusson em 2002 “As práticas passíveis de contestação dos miseráveis e das minorias são mais facilmente proibidas e punidas do que as dos ricos e poderosos. Ao longo da história, a vagabundagem foi mais vezes objeto de punição do que as práticas monopolistas. Os crimes cometidos pelos pobres, como o assalto, são mais sistematicamente punidos, e punidos com prisão, do que os crimes dos ricos, como o abuso de confiança”.
Ora, afigura-se urgente alicerçar mudanças neste pensamento. Que só pode ainda prevalecer pelo facto de, sendo o mais consequente e causador de mais danos que a criminalidade violenta, o crime de colarinho branco será o menos entendido.
Menos entendido, talvez. Contudo, não menos conhecido.
Somam-se casos do envolvimento de personalidades sociais, empresariais e políticas na criminalidade económica. É, assumidamente considerável a lista de dirigentes de altos comandos de instituições públicas e privadas que acabam por se envolver em crimes de corrupção, evasão fiscal, conflito de interesses, peculato, entre outros. Causando perturbações na sã convivência social e que por vezes provocam consequências económicas e sociais desastrosas.
Neste seguimento, teremos por certo bem presente o caso de um autarca condenado por vários crimes (corrupção passiva, abuso de poder, fraude fiscal, entre outros) sendo, posteriormente, eleito para o mesmo cargo.
Num caso em que não é possível declarar que a “justiça dos tribunais” falhou no castigo, indaga-se a sobre a eficácia da efetiva concretização da “justiça dos homens”. Por esta mesma circunstância, destaco duas análises principais. A primeira reflete a consequência penal sofrida pelo ofensor, ou seja, o normal funcionamento das instituições de controlo formal. A segunda, a consequência social (e potencialmente estigmatizante) que parece não se ter concretizado.
Pois bem, revela-se peculiar ter sido possível a sua reeleição após condenação para o mesmo cargo que o capacitou para os crimes que cometeu. Não obstante, ser admissível reconhecer que após o cumprimento da sentença o cidadão foi integrado na sociedade como normativamente cumpridor.
Obviamente, não é de todo possível registar qualquer evidência científica, não deixando de ser intrigante constatar que parte da população não imprimiu qualquer cunho sancionatório ao individuo condenado. Assim, importa refletir sobre a atitude pública e se pouca censura que fez refletir no caso seria igual perante um homicida.
Note-se que a ausência de visibilidade das vítimas da criminalidade económica não é sinónimo da sua inexistência.