Miguel Viegas, Jornal i online
Os imperativos de transparência aplicam-se a todas as instituições europeias
Em plena fase final do Campeonato Mundial de Futebol, rebentou por estes dias mais um escândalo de corrupção envolvendo o governo do Catar. Desta vez, o caso atinge diretamente as instituições europeias, atingindo vários deputados e ex-deputados, com desataque para Eva Kaili, deputada grega e vice-presidente do Parlamento Europeu. Este caso coloca novamente na ordem do dia a necessidade de dar outra centralidade ao controlo dos lóbis que diariamente circulam pelos corredores de Bruxelas, muito para além das medidas de cosmética tomadas nos últimos anos.
Este é já considerado com um maior escândalo contra a integridade do Parlamento Europeu. Durante a operação, foram detidas 6 pessoas, entre as quais a referida Eurodeputada e também Pier-Antonio Panzeri, ex-deputado europeu e atual presidente da Confederação Internacional de Sindicatos. Eva Kaili não pôde beneficiar de qualquer imunidade parlamentar por ter sido interpelada em flagrante delito, segundo as autoridades judiciais que apreenderam durante a operação cerca de 600 mil euros e dinheiro vivo, para alem de computadores e telemóveis. Igualmente visado, foi o deputado veterano belga Marc Tarabella cuja residência foi objeto de buscas.
Em causa está a suspeita de corrupção dos acusados por parte do governo do Catar visando influenciar as decisões económicas e políticas do Parlamento Europeu a seu favor. Independentemente do inquérito que há de seguir o seu curso, não deixa de surpreender as posições públicas dos acusados relativamente à situação dos direitos sociais e laborais no Catar. «O Catar é um exemplo em matéria de direitos laborais», declamava a deputada grega em plena sessão plenária a 22 de novembro deste ano, perante a perplexidade dos seus pares. Marc Tarabella, vice-presidente da delegação para as relações com a Península Arábica no Parlamento Europeu, depois de, em 2014, “twittar” furiosamente contra a atribuição ao Catar do mundial de futebol, mudou de opinião ao declarar ao canal de notícias LN24, que "criticar o Catar” (“Qatar-bashing” foi a expressão usada) era "ridículo e hipócrita" porque "o país tem feito enormes esforços, principalmente em termos de direitos laborais”.
Desde a década de noventa que as instituições têm procurado enquadrar as atividades de lobbies e outros grupos de interesses. Hoje os imperativos de transparência aplicam-se a todas as instituições europeias. Os deputados, comissários e funcionários públicos europeus são convidados a declarar os seus rendimentos e funções exercidas durante o curso, e os relatórios sobre os interlocutores que escolhem envolver na sua reflexão. Existe hoje um Registo de Transparência, na forma de uma base de dados que lista neste momento cerca de 11500 organizações de lobbying que entram em contacto regularmente com os membros das instituições europeias. Nada se sabe, obviamente do que se passa fora das instituições. Sendo este um passo, todavia, importante, é necessário ir mais longe, alocando meios internos para tratar estes dados, evitando que se transformem em mais um arquivo morto. Só assim será possível criar uma verdadeira “pegada” legislativa que permita ao cidadão compreender melhor a génese das leis e já agora o fenómeno das “portas giratórias” bem exemplificado com mais este escândalo.