Rute Serra, Jornal i online
Em circunstâncias em que as pessoas sentem a diminuição do valor real dos seus salários, mais facilmente se tornam recetivas a encetar comportamentos ilegais ou antiéticos, de modo a manter satisfeitas as suas necessidades.
Assistimos, impotentes, ao escalar do custo de vida. Todos os dias percebemos, em qualquer simples interação pessoal consumista, que o valor que nos pedem hoje chega a ser o dobro do que pagávamos ontem, pelo mesmo bem. O anunciado progressivo aumento das taxas de indexação dos créditos habitação, pelo Banco Central Europeu, significará, a curto prazo, não obstante as medidas governativas já conhecidas para mitigar essa circunstância (mas inevitavelmente, para muitos, insuficientes), o descalabro em milhares de orçamentos familiares, já frágeis há muito tempo.
Sempre tivemos dificuldade (para não dizer impossibilidade, descontada uma minoria) em conseguir, e depois manter, níveis satisfatórios de qualidade de vida que fossem dignos de ombrear com os nossos congéneres, pelo menos, europeus. A adesão de Portugal à União Económica e Monetária, no final da década de 90 visou a convergência real e nominal com as principais economias da União Europeia e teve em vista estimular o desenvolvimento da sociedade portuguesa. E durante alguns anos, vimos este desígnio materializar-se, ainda que aquém do que esperámos. Porém, três anos depois de uma pandemia avassaladora, que gerou incerteza e medo, sucedeu-se uma guerra que, de tão longínqua geográfica e culturalmente, não imaginámos poder afetar tão direta e rapidamente, a nossa vida.
Esta realidade teve como principal consequência o disparar, para níveis registados há trinta anos, da taxa de inflação, que se situa, segundo estatísticas oficiais, perto dos 10%. Isto significa aquilo que todos já sabemos porque sentimos no bolso – o aumento generalizado dos preços dos bens e serviços.
As causas para a verificação deste fenómeno são de vária ordem, mas uma delas permanece fora do radar de peritos e especialistas, talvez porque mais difícil de medir: o nexo entre níveis de inflação e de corrupção apresentados por um país. Importará perceber que em circunstâncias em que as pessoas sentem a diminuição do valor real dos seus salários, mais facilmente se tornam recetivas a encetar comportamentos ilegais ou antiéticos, de modo a manter satisfeitas as suas necessidades. Por outro lado, estímulos concedidos pelos governos, sem compensação fiscal que os justifique, pode resultar na degeneração económica dos recursos públicos, facilitando a entrada a práticas de natureza corruptiva.
O clima de ambiguidade económica causado pela inflação, mas também pelo desemprego e pela recessão promovem inevitavelmente a perda de confiança dos cidadãos nos seus governos. Se pensarmos que a inflação afeta o nível de investimento e logo, de crescimento económico, percebemos como a corrupção pode ser estimulada neste contexto económico. E o efeito surge, dramaticamente, em loop – se uma economia fragilizada gera maiores índices de corrupção, estes, por sua vez, pressionam ainda mais, uma já de si debilitada economia.
Não nos iludamos, pois, com o aumento generalizado (ficcionado) do produto interno bruto (PIB), influenciado pela alta taxa de inflação. Concentremo-nos antes no que representa de facto, na nossa economia e logo, na nossa carteira, a corrupção em Portugal representar cerca de 10% daquele indicador.
Sabia que o valor estimado da corrupção em Portugal (cerca de 18,2 mil milhões de euros por ano), depositado no IBAN de toda a população portuguesa, representaria perto de 2000 euros por ano? Bem mais simpático que 125 euros num único mês, certo?