Daniel Espínola, Jornal i

A confiança nas instituições governamentais é importante para o sucesso de muitas políticas públicas

Em meio a tantos factos negativos, a pandemia de Covid-19 nos trouxe uma constatação surpreendentemente positiva - segundo pesquisa recém publicada pelo Edelman Trust Barometer, uma mudança radical no sentimento dos cidadãos em relação aos seus governos ocorreu nos primeiros meses de 2020: atualmente a maioria das pessoas deposita nas instituições públicas mais confiança do que em qualquer outra organização, como empresas, mídia ou ONGs.
A confiança nas instituições governamentais é importante para o sucesso de muitas políticas públicas, principalmente aquelas que dependem da cooperação e da conformidade dos cidadãos. Mas como se traduz essa percepção? Esse sentimento pode em algum momento ser revertido? E como os governos podem se beneficiar com o ganho de confiança?
O cenário que certamente se aproxima é o de uma profunda crise, com atividades industriais e comerciais reduzidas, pouca circulação de pessoas, aumento do desemprego e uma grande incerteza em relação ao futuro de todas as atividades econômicas. Centralizando esforços e recursos para o enfrentamento da pandemia, os governos, de maneira geral, parecem ter se tornado os últimos bastiões da confiança dos cidadãos.
A confiança pública se expressa essencialmente na crença da efetividade - as pessoas acreditam que as instituições podem resolver os problemas da sociedade - e na expectativa da responsabilidade – esperam que as instituições atuem dentro da ética e da lei. Em outros termos, confiam que os governos e seus agentes públicos representantes - políticos, médicos, professores, policiais, juízes etc. - exercem suas tarefas de forma adequada, dentro da legalidade, agem com transparência e prestam contas de suas atuações.
Assim, as expectativas em torno de uma atuação governamental com efetividade e responsabilidade podem ser construídas de diversos modos, considerando as particularidades sociais e culturais de cada sociedade. Dois pontos, entretanto, são comuns em todos os países com alto grau de confiança nas instituições públicas: a participação social e a transparência.
Cidadãos anseiam que suas vozes sejam ouvidas e esperam contribuir com as trajetórias das políticas públicas, indicando onde, quando e como os recursos públicos podem ser investidos. Nessa linha, propostas como o orçamento participativo, a organização de audiências públicas e de conselhos de políticas públicas são oportunas para o fomento à participação social.
A confiança também é fundada na transparência e no acesso à informação. Governos transparentes facilitam que a população se aproxime das ações governamentais, fortalecendo o ideal de soberania popular. Quando é oferecido ao cidadão acesso facilitado às informações governamentais, com baixo ou nenhum custo, ele pode identificar anormalidades e reivindicar que as falhas sejam corrigidas.
A participação social e a transparência possuem potencial de fomentar informações tempestivas, objetivas e claras aos cidadãos. Ao promoverem políticas nesse sentido, os governos ficam mais sujeitos ao controle social e à análise dos resultados de suas ações, dificultando o uso ineficiente de recursos, atos de corrupção e fraude.
Iniciativas internacionais, como a Parceria para o Governo Aberto (Open Government Partnership), buscam fomentar boas práticas de participação social e transparência em diversos países, em parceria com organizações da sociedade civil. Em Portugal e no Brasil, por exemplo, Planos de Ação nacionais envolvem incentivo ao controle social, apoio à transparência legislativa, desenvolvimento de aplicativos para monitoramento de acesso a dados pessoais, modelos de políticas de dados abertos, dentre outras ações.
Por outro lado, assim como rapidamente conquistada, a confiança pública pode ser quebrada e perdida na mesma velocidade. Num período em que os gastos públicos estão elevados e as normas administrativas flexibilizadas em busca de soluções à crise causada pela Covid-19, também mais oportunidades têm surgido para a ocorrência de casos de corrupção e fraude.
Nessa trajetória da construção da confiança, os líderes das nações possuem um papel fundamental. Chefes de Estado que têm demonstrado ações tempestivas e corretas no enfrentamento da pandemia observam um aumento na taxa de aprovação de seus governos. Por outro lado, aqueles que têm negado a gravidade do problema, se abstendo de tomar decisões necessárias e fundamentadas nas orientações científicas, têm continuamente perdido a confiança de sua população.
Após a pandemia de Covid-19 surgirá a necessidade de rediscussão do pacto social entre os governos e os cidadãos. Além do elevado número de vítimas da doença, é crescente o número de falências de empresas e de desempregados, assim como a dívida pública dos países e o trauma psicológico que abalará todos os envolvidos e as gerações futuras. Segundo demonstrou o Edelman Trust Barometer, as expectativas das pessoas sobre o que as instituições governamentais deverão fazer para solucionar esses desafios mudou profundamente nos últimos meses.
Antes, porém, os governos podem aproveitar esse ganho de confiança para unir suas sociedades em prol de melhores respostas à pandemia. Os dados gerados pelos órgãos de saúde, assim como informações acerca das contratações e soluções adotadas no combate à Covid-19 devem ser disponibilizadas tempestivamente e com transparência.
Por quanto tempo esse aumento momentâneo na confiança nos governos vai durar - e como eles vão administrá-lo - ainda não sabemos. Aos poucos as pessoas ficarão decepcionadas se seus empregos não existirem mais ou quando suas economias acabarem. Escândalos de corrupção, fraude, líderes negacionistas da ciência e fake news continuarão nas pautas da mídia ainda por muito tempo – assim como permanecerão dúvidas se nossas instituições serão capazes de nos guiar para um futuro melhor. Tudo isso nos leva a um desejo urgente de mudanças, enquanto acreditamos em nossos governos para percorrermos juntos uma volta à normalidade, a fim de tornar mais sólida a confiança neles depositada.

Auditor da Controladoria-Geral da União do Brasil (CGU)