Paulo Vasconcelos , Visão online

O coronavírus 2, tecnicamente SARS-CoV-2, interferirá na vida de todos, na sociedade e na forma como nos relacionaremos. Impactará na economia de cada país e do mundo. Reformará empresas, modificará mais ainda o trabalho. Não será fácil para ninguém, e isto numa fase de algum crescimento em Portugal, após vários anos difíceis de redução de salários e desemprego elevado.

O coronavírus 2, tecnicamente SARS-CoV-2, interferirá na vida de todos, na sociedade e na forma como nos relacionaremos. Impactará na economia de cada país e do mundo. Reformará empresas, modificará mais ainda o trabalho. Não será fácil para ninguém, e isto numa fase de algum crescimento em Portugal, após vários anos difíceis de redução de salários e desemprego elevado.

As máquinas sempre foram uma ameaça ao emprego. Caixas eletrónicas quase totalmente substituem os caixas bancários, portagens eletrónicas eliminam os portageiros. Os trabalhadores têm de se adaptar e adquirir novas competências para reentrar no mercado de trabalho. Ao fazê-lo, conseguem melhor emprego e mais bem remunerado. Mas isso leva tempo.

Antes os monges adaptaram-se à revolução da imprensa de Gutenberg e os tecelões acomodaram-se ao aparecimento do tear. O advento de novas tecnologias na verdade melhora as condições de trabalho. Nunca se queira “voltar” para um tempo anterior, onde certamente o trabalho seria mais penoso do que agora. A tecnologia traz aumentos de produtividade e redução de custos. Mas serão estes ganhos mais ou menos bem repartidos entre empregador e empregado?

Na verdade, há um hiato de tempo mais ou menos considerável até que os trabalhadores beneficiem de forma notória da evolução tecnológica. Este período é conhecido pela "pausa de Engels": o tempo necessário a que as competências dos trabalhadores atinjam a nova tecnologia; neste período de introdução de novas tecnologias ocorre estagnação salarial e os trabalhadores são deslocados ou dispensados. Durante esse período, a produtividade geral cresce, os preços baixam e a procura aumenta. Passam a ser precisos novos recursos mais especializados. Muitos dos trabalhadores voltarão ao trabalho à medida que a sua proficiência se adapta à nova tecnologia. Outros novos e mais diferenciados, têm novas oportunidades.

Dado que os salários reais permanecem estáveis (e mesmo caíram) desde 2005, muitos argumentam que vivemos num período de pausa de Engels, resultante da quarta revolução industrial. Jovens engenheiros passam a ter enorme procura, sendo que as economias mais desenvolvidas são as que primeiro os conseguem contratar.

No caso estudado por Engels (cientista social, 1820 – 1895), foram necessários 50 anos para que os salários reais dos tecelões subissem.

Moore (cofundador da Intel Corporation) postulou em 1965 que o número de transístores dos circuitos integrados teria um aumento de 100%, pelo mesmo custo, a cada período de 18 meses, ou seja, aproximadamente dobra a cada dois anos. Os avanços na capacidade de computação levaram a um aumento no número de dispositivos móveis, computação na nuvem e inteligência artificial. A prevalência do postulado, que veio a ficar conhecido por lei de Moore, tem implicado avanços com grande impacto na qualidade de vida das pessoas, mas também maior procura por novas competências especializadas. Isto tem acelerado esta quarta revolução industrial, trazendo riqueza e prosperidade com as consequentes fraturas na sociedade.

Os empresários abraçam as novas tecnologias, navegando a lei de Moore, investindo na espectativa de retorno e de sobrevivência a médio/longo prazo. Os empregados, em pausa de Engels, têm visto os seus salários estagnados. Os estados, que nem sempre são eficientes na gestão dos países, estão a terminar o processo de recapitalização da banca, que colocou muitas das economias mundiais em recessão. Eis senão quando aparece o SARS-CoV-2 que a todos afeta: saúde, forma de vida e economicamente.

Muitas empresas não terão capacidade de continuar, outras terão de reduzir substancialmente a sua força laboral. Os trabalhadores, mesmo diferenciados, podem ver reduzido o seu salário ou mesmo perder o emprego. Os estados são de novo chamados a todos apoiar. Onde vão ser encontrados recursos para amortecer esta crise absorvendo a catástrofe que aí vem? Se for apenas o mercado a funcionar, a água tormentosa chegará certamente a alguma foz, mas com custos impossíveis de suportar. É o estado que não permitirá resoluções tão bruscas e brutas como a eficiência dos mercados. Os mercados que multiplicaram o preço de máscaras faciais em 8000%! Mercados, que por eficiência, concentraram a produção destas máscaras num só país, a China (responsável por cerca de 50% da produção mundial). Além disso, o fabrico é feito à base de polipropileno e polietileno que são produzidos a partir de matéria-prima com origem na Ásia (95%)…

A eficiência dos mercados não é equilibrada: é a melhor resposta para produzir o melhor possível com o menor custo, mas quase sempre sem considerações sociais, sem restrições à eficiência.

Será preciso muito esforço de todos para mitigar esta calamidade global, e que poderá repetir-se com o mesmo SARS-CoV-2 ou com outro qualquer que surgirá certamente de futuro. Muito de correto se fará, a começar pela EU que parece finalmente perceber que há regras que têm de ser violadas para garantir que os seus membros possam prosseguir sem colapsar, e, claro, sem colapsar a própria união. Mas muito não se fará, ou far-se-á tarde, com líderes hollywoodescos e broncos: “depois da facada, não vai ser uma gripezinha que me vai derrubar” (recuso-me a escrever o nome do dito cujo).

Eh valente! Espera que o coice vem já aí.