Raquel Brito, Jornal i

A impunidade de que beneficiam os principais infratores do crime de branqueamento de capitais é consequência da permissividade com que os nossos governos têm gerido o combate à fraude e corrupção.

Não, não se trata do guião de um filme. Mas sim, esta crónica, inspira-se na expressão “formulada” pelo escritor Joseph Heller, no ano de 1961, na sua obra intitulada Catch-22 (i).
1 - Genericamente, a expressão é utilizada para explicar uma situação paradoxal da qual o indivíduo não consegue escapar em virtude das suas regras ou limites contraditórios. Segundo o Cambridge Dictionary, uma situação que se insira na definição de Catch-22 refere-se a um evento impossível. Sendo que “não poderá fazer algo sem ter feito outra coisa anteriormente, mas não pode fazer a segunda, enquanto não fizer a primeira". Melhor exemplificado na relação entre experiência profissional e contratação laboral: Para ser contratado terei que ter experiência, no entanto enquanto não for contratado não poderei ter experiência.
Resumidamente, a expressão representa um paradoxo, um dilema difícil de contornar em consequência das suas condições mutuamente exclusivas, mas dependentes uma da outra.
Bem, mas qual será a relação que a expressão estabelece entre estes crimes: branqueamento de capitais e criminalidade violenta?
2 - Como branqueamento de capitais considera-se “…a transformação, …, dos proventos resultantes de atividades ilícitas, em capitais reutilizáveis nos termos da lei, dando-lhe uma aparência de legalidade.” (CMVM). Para esta transformação ocorrer, pretende-se, através de múltiplas operações, converter rendimentos de atividades criminosas em rendimentos “limpos” no circuito económico oficial. Segundo o Art.º 368.º - A do Código Penal o branqueamento de capitais constitui crime.
3 – Pela leitura da Lei 36/94 de 29 de setembro das medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira é possível enquadrar diversos factos ilícitos como referentes à criminalidade violenta. Numa abordagem criminológica, poderemos inferir como crimes violentos o tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, escravidão, sequestro e rapto ou tomada de reféns, tráfico de armas, tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos ou tecidos humanos e exploração sexual, entre outros. Essencialmente pelo carácter agressivo, físico e psicologicamente, pelos quais se revestem.
Não obstante o aparente gap que existe entre os mesmos, branqueamento de capitais e criminalidade violenta, na verdade, não sobrevivem um sem o outro. E não se combate um sem combater o outro. Não podemos esquecer que máfias se encapotam o branqueamento de capitais, que crimes ocultam e as consequências que acarretam para as sociedades civis.
A impunidade de que beneficiam os principais infratores do crime de branqueamento de capitais é consequência da permissividade com que os nossos governos têm gerido o combate à fraude e corrupção neste país.
Fruto da globalização, os fenómenos transpõem fronteiras, e mais facilmente as máfias do tráfico de seres humanos, os cartéis da droga, as máfias do Pizzo, entre muitas outras, nunca serão subjugadas enquanto não se verificar um verdadeiro combate ao branqueamento de capitais. No entanto, perante um “fechar os olhos” à “reciclagem” de capitais nunca se porá cobro a uma criminalidade bem mais violenta e transversal a toda a sociedade.

(i) O livro Catch - 22, situado nos finais da Segunda Guerra Mundial, refere o artigo 22, uma norma burocrática relacionada com situações bélicas.