Pedro Moura , Visão online

Um pagamento feito para além do prazo acordado é, efetivamente, uma apropriação indevida de um bem por parte de uma entidade

Quando se pensa em ‘corrupção’ ou ‘fraude’ geralmente tem-se em mente pessoas com má índole, gananciosas, que agem de forma declaradamente intencional no sentido de se apropriarem de algo que não lhes pertence por direito.

Por vezes este estereótipo corresponde à realidade. No entanto, muitas vezes não. As razões para a ocorrência destes fenómenos de fraude e corrupção vão desde negligência pura e inconsciente, seguimento cego de regras bur(r)ocráticas e processuais, até aos atos cometidos com propósito consciente de dolo.

Vem isto a propósito de um dos fenómenos mais perniciosos para a economia de um país (e respetivas empresas e cidadãos): os pagamentos feitos além dos prazos acordados a fornecedores.

Em boa verdade, um pagamento feito para além do prazo acordado é, efetivamente, uma apropriação indevida de um bem por parte de uma entidade. É dinheiro que devia estar na conta bancária do fornecedor e não nas mãos da empresa compradora.

Qualquer empresário tem bom conhecimento do arrepiante processo de ligar para as empresas clientes a indagar quando vai receber, e ser passado (chutado) de pessoa em pessoa, departamento em departamento, desculpa em desculpa, até ao desespero.

Daqui surgem fenómenos que vão desde dificuldades de tesouraria para as empresas fornecedoras (geralmente mais pequenas que as compradoras), criando-se uma catadupa de problemas que vão desde atrasos de pagamentos por parte das empresas a quem o dinheiro é inicialmente devido a outras empresas suas fornecedoras (com efeito bola-de-neve na economia), atrasos no pagamento de ordenados, necessidade de recurso a crédito bancário para suprir a sua tesouraria, incapacidade de investir em fatores competitivos, e, no limite, à própria insolvência da empresa (dever até desaparecer a dívida).

Quando o dinheiro (pagamentos) deixa de circular em sincronia com a atividade económica tudo estagna, e a crise instala-se. As grandes empresas (e o Estado) julgam que ganham com este tipo de manobra, mas no médio/longo prazo todos sofrem, porque a economia como um todo vai estar muito pior.

Para além de algumas iniciativas de umas poucas associações empresariais privadas com notório mérito, que tentam mitigar este problema através de compromissos éticos assumidos por parte dos seus membros para pagar a tempo e horas, não se vislumbram medidas sérias e consequente para a resolução deste problema.

Como se pode ver aqui, “em 2018 só 14,2% das empresas nacionais pagaram aos seus fornecedores nas datas acordadas”, estando cerca de 27% do PIB (cerca de 50 mil milhões de Euros!) em valor a pagar por fornecedores, e colocando Portugal na pior posição ao nível de um índice de pagamentos a horas entre um grupo de 35 países congéneres.

Da parte do Estado, infelizmente a perspetiva é assustadora, já que é notória a utilização progressiva de pagamentos atrasados a fornecedores para conseguir ‘equilibrar’ as contas públicas.

De qualquer forma, para conseguirmos ter uma economia mais competitiva é imperativo serem implementadas medidas que levem a que os incumpridores (públicos ou privados) saibam que vão ser penalizados caso atrasem pagamentos. E se a cultura e a ética podem ter aqui um papel forte, tem, inevitavelmente, de haver mão forte do Estado na sua função de garante do bom funcionamento da economia.

Por exemplo, fará sentido haver uma monitorização generalizada e centralizada dos prazos de pagamento acordados e dos respetivos pagamentos por parte do Estado, de forma a que os fornecedores passem menos tempo preocupados com os recebimentos e mais tempo a criar valor ou a investir em maior competitividade? Do meu lado, enquanto empresário que recebe de clientes e paga a fornecedores, tal não me incomodaria absolutamente nada.