Carlos Pimenta, Jornal i
Em meados do século XX aumenta a preocupação com esta problemática, com destaque para os estudos de Sutherland e Cressey
Contudo uma tal análise é manifestamente insuficiente e enganadora porque escamoteia factos fundamentais: frequência das referidas fraudes, tipos de fraude, valores envolvidos, impactos sociais.
A grande fraude da Enron (uma das empresas mais importantes da energia dos EUA e do mundo) em 2001, envolvendo mais de 60 mil milhões de dólares e impactos em cadeia, é um momento de viragem na importância das fraudes nas empresas, da atenção dada ao problema, e da legislação sobre esta temática.
Entretanto em meados do século XX aumenta a preocupação com esta problemática, com destaque para os estudos de Sutherland e Cressey.
O aumento das fraudes associada aos longos anos de prosperidade económica, à importância crescente do sistema financeiro e da sua relativa autonomização, do desenvolvimento tecnológico e à mundialização de grande percentagem da actividade económica reforçam esta situação. Ideologicamente o sonho do «fim da história», a fé no funcionamento automático dos «mercados» ampliam as tendências referidas.
Com a crise do início do actual século a evolução conjuntural da economia inverteu, a onda esvaziou os recursos e o desenvolvimento e muitas, e violentas, fraudes surgiram por todo o lado. A falta generalizada de liquidez criou condições para a criminalidade económica internacional prosperar na actividade económica legal.
2. Contudo houve alguns exemplos anteriores de referência. É o caso da fraude de Charles Ponzi praticada em 1920 e que ainda hoje é conhecida pelo seu apelido: “operação sofisticada de investimento do tipo esquema em pirâmide que envolve a promessa de pagamento de rendimentos anormalmente altos aos investidores à custa do dinheiro pago pelos investidores que chegarem posteriormente, em vez da receita gerada por qualquer negócio real”.
É também nessa década que se dá em Portugal, que tendemos a considerar país de «brandos costumes», uma das grandes fraudes, com contornos «inovadores»: a fraude de Alves Reis.
Portugal, com vastas colónias e epicentro de interesse em Angola, tinha saído há poucos anos da monarquia. A instabilidade política (rotatividade de responsáveis governamentais, descontentamento popular, nomeadamente pelos sucessivos aumentos de preços, multiplicados por vinte em pouco mais de uma década, I Guerra Mundial e muitíssimos mortos) e a «instabilidade económica» (dívida pública, inconvertibilidade da moeda em ouro, “o comércio e os investimentos privados surgiam tempestivamente”, previsões de boa conjuntura futura, colónias profundamente subdesenvolvidas) imperavam.
A fraude consistia na emissão de notas de 500 escudos, em nome do Banco de Portugal e fabricadas na empresa inglesa Waterlow & Sons de Londres ꟷ onde eram fabricadas as notas oficiais daquela instituição ꟷ, custando cerca de 75 cêntimos o fabrico por unidade, aparecendo o comércio em Angola como pretexto. A sua concretização envolveu a falsificação de assinaturas, colaboradores vivendo no estrangeiro e exercendo funções diplomáticas, várias negociações aparentemente oficiais, «freelancers no mercado negro da moeda», abertura de múltiplas contas bancárias e a criação de um banco legalmente constituído.
3. Não houve «brandos costumes» para a organização e prática da fraude, mas houve-os na surdez em relação a muitas informações levantadas pela imprensa da época ꟷ nomeadamente no importante jornal diário O Século ꟷ, no comportamento de diversas autoridades públicas e na fiscalização.
4. Para mais pormenores ver o livro Fraude em Portugal – Causas e Contextos, de 2017, pág. 59/99