Pedro Moura, Jornal i
Continua a haver muita fraude e corrupção nestas instituições. Basta a conjugação de Poder + Dinheiro + Falta de Transparência + Inimputabilidade.
Cresci nos arredores de Lisboa, numa zona que se urbanizou rapidamente com moradias feitas por pessoas vindas sobretudo das províncias continentais e ultramarinas. Eram tempos mais duros, em que ‘fazer-se’ uma casa representava um sacrifício que talvez poucos hoje entendam.
Lembro-me desde que me recordo de ser gente de o meu pai arengar fortemente contra as autarquias, sobretudo em tudo o que tinha a ver com gestão dos processos de urbanização e legalização das habitações e respetivos bairros, na maioria de génese ilegal. Isto porque, já se adivinha, tudo andava para a frente à base da cunha e do suborno explícito. De dinheiro a canetas e ouro e outras oferendas, tudo era pedido (e dado, que remédio) pelas aventesmas que, vendo-se com poder sobre a vida das pessoas, seguiam a tão lusa tradição de quebrarem a frágil casca de ‘povo de brandos costumes’ para se revelarem como bestas corruptas, desonradas e sem escrúpulos. Provavelmente, para se justificarem, diriam a si próprios e aos outros que estariam só a ‘fazer pela vida’, como todos os ‘outros’.
Os tempos seriam outros, mas porque é do mesmo povo de então que as autarquias ainda são feitas continua a haver muita fraude e corrupção nestas instituições. Basta a conjugação de Poder + Dinheiro + Falta de Transparência + Inimputabilidade. É uma fórmula fácil, mesmo para quem ao primeiro contacto com esta matéria possa estranhar. Rapidamente passa a entranhar, que remédio.
Penso não valer a pena o exercício de enumerar os muitos casos de peculato, tráfico de influência, abuso de confiança, favorecimentos indevidos, etc da autoria de responsáveis autárquicos que continuam a vir a lume. E estes serão os casos mediáticos. Provavelmente com igual impacto negativo mas menos mediatismo serão as ações ou não-ações da arraia mais miúda das autarquias: negligência, pequenos favores, grandes almoçaradas, uma ‘lubrificação’ ou ‘emperramento’ de certos processos, entre outras ‘coisas sem importância’.
Não quero demonizar de forma generalizada autarquias e as suas pessoas, mas lá que há fenómenos de corrupção e fraude numa escala preocupante, estou certo que os há. Uma defesa cega das autarquias com negação absoluta destes fenómenos não fará bem nenhum às mesmas.
Em Portugal o justo paga demasiado pelo pecador, e para cúmulo ainda acaba a ser o justo a defender o pecador. É demasiado perverso (e estúpido).
Deixo uma sugestão para as autarquias, no sentido de mitigarem estes fenómenos prejudiciais que grassam no seu interior: definam um Framework de Governance e Gestão para Promoção da Transparência e Prevenção / Deteção de Fraude e Corrupção nos processos e decisões autárquicas, com recomendações de melhores práticas a seguir nesses mesmos processos e indicadores objetivos para monitorização sistemática, estandardizada (entre todas as autarquias) e contínua.
Esta Framework deveria ser desenhada de forma a poder ser adotada por todas as autarquias, para se poder ter uma base comum que permitisse trocar boas práticas e efetuar uma avaliação de progressos comparável entre todo o universo autárquico. E tudo isto deveria ser público, de total livre acesso. Quem não deve não teme, certo?
Bem sei que a Transparência assusta. Toda a gente tem, em maior ou menor escala, um rabo de fora (nem que seja porque tem um familiar ou um amigo que ah, etc e tal). Todavia as autarquias têm um papel demasiado importante para o funcionamento e evolução do nosso país. Ou evoluem, ou vão continuar a ser em grande medida e em muitos casos mais um obstáculo que uma ajuda, alienando ainda mais a população da gestão da sua vida e da política.
O OBEGEF, enquanto entidade independente e com vários especialistas na área autárquica, tem todo o interesse em auxiliar a construir esta Framework e a participar na sua evolução e monitorização. Assim queiram as autarquias (ou os autarcas).