Fernando Costa Lima , Visão online
Será que basta cumprir a lei?
Os leitores que vão tendo a paciência de ler as minhas crónicas vão certamente pensar que insisto teimosamente nos mesmos temas.
Desta vez, volto ao mesmo tema pela leitura do Parecer n.º 25/2019, da Procuradoria-Geral da República, sobre o “Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos” *.
As questões colocadas à PGR são as seguintes:
“1.ª Como deve ser interpretado o impedimento estabelecido pelo artigo 8.º da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, em termos conformes à Constituição? Uma interpretação exclusivamente literal do referido preceito, que conduzisse à aplicação de uma sanção por factos não imputáveis ao titular de cargo político ou alto cargo público e fora do seu controlo, não buliria com os ditames de proporcionalidade decorrentes do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição?
“2.ª Tendo em conta o entendimento do Conselho Consultivo da Procuradoria -Geral da República, expresso no Parecer n.º 35/92, deve entender -se que a aplicação das sanções previstas no n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, é automática ou, pelo contrário, carece de uma avaliação casuística quanto ao eventual envolvimento e censurabilidade do titular de cargo politico ou alto cargo público em questão?”.
Vamos atentar apenas na primeira questão. As conclusões constantes do parecer, no que toca a esta questão, apontam no sentido de que “...na segunda situação configurada na conclusão 10.ª (quando o impedimento se reporta às pessoas com quem mantém relações familiares ou de vivência em comum e às respetivas empresas) **, existe fundamento para uma redução teleológica do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 64/93, no sentido de que, em vez de se reportar, indiscriminadamente, a qualquer concurso público de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de atividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas coletivas públicas, deve referir-se unicamente aos concursos que foram abertos ou correm os seus trâmites sob a direção, superintendência ou tutela de mérito do órgão do Estado ou do ente público em que o titular do órgão ou do cargo exerce as suas funções”.
Não sendo jurista, o que ficou dito no parecer até pode ser inquestionável.
Acontece que, em meu entender, o tema não é jurídico. É sobretudo do domínio da ética. Como se costuma dizer “à mulher de César não basta ser, também tem que parecer”.
O que quero dizer com isto?
Quando alguém aceita ocupar um alto cargo político, está a prestar um serviço cívico que acarreta uma série de responsabilidades, deveres e obrigações.
Uma das obrigações é cumprir a lei, designadamente a relacionada com as incompatibilidades do cargo. Se alguém achar que a lei é exagerada e incomportável, para a sua vida pessoal ou profissional ou da sua família, ainda que muito remota e hipoteticamente falando, não deve aceitar o cargo.
Uma vez aceite, é obrigação do titular do cargo político dar um exemplo de probidade e de comportamento irrepreensível do vista ético, a todos os seus concidadãos que directa ou indirectamente votaram nele.
Assim, antes de se colocar numa situação idêntica à que está por trás do pedido do parecer à PGR, deve ponderar se, independentemente do que estabelece a lei, fará sentido, do ponto de vista de um juízo meramente ético, avançar para um determinado concurso.
Só assim será possível, em meu entender, regenerar a imagem dos políticos junto dos portugueses.
* - Diário da República, 2.º série, n.º 181, de 20 de Setembro de 2019, PARTE D, páginas 287-(7) a 287-(44)
** - Inserto meu.