Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

O julgamento e condenação de Bonifácio seria pelo contrário uma vibrante afirmação de que vivemos num Estado de Direito e que ninguém pode arrogar-se um estatuto diferente dos demais.

O Primado da Lei ("Rule of Law") é uma das principais características da democracia e tem sido invocado por todos os liberais desde o século XVII. John Locke defendeu que a liberdade se traduz pela regulação da vida social através de Leis iguais para todos e criadas pelos representantes legítimos da sociedade. 

O Primado da Lei ("Rule of Law") significa que todas as leis se aplicam igualmente a todos os cidadãos e que ninguém fica acima da lei. Este princípio tem sido nas últimas décadas em Portugal defendido por todos os liberais, neoliberais e conservadores. 

Numerosas teorias assentes em factos sólidos defendem que os países verdadeiramente democráticos são aqueles em que funciona o Primado da Lei e que existe uma relação intima entre o Primado da Lei e o desenvolvimento económico. 

Vem isto a propósito do coro de indignação que suou dos lodos das alas liberais, neoliberais, conservadoras e racistas quando se soube que um conjunto de cidadãos apresentara queixa de Bonifácio por causa do artigo que esta publicou no jornal O Público. 

O Código penal português no seu artigo 240º expressamente legisla que incorre em pena de 6 meses a 5 anos quem "por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social ou sistema informático destinado à divulgação: … b) Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo, orientação sexual ou identidade de género, nomeadamente através da negação de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade". 

Ora é claro que o artigo de Bonifácio se insere no descrito na alínea b) do artigo 240º do Código Penal em vigor. 

Percebe-se então é que estes amigos de Bonifácio, tão defensores do Primado da Lei ("Rule of Law"), o que pretendem é que a lei não se aplique com todo o rigor a certas pessoas – nomeadamente a "prestigiadas investigadoras". 

Não defendem, o que seria legítimo, mudar a lei, o que nada serviria a Bonifácio mas impediria a condenações de racistas no futuro, mas apenas que a lei se não aplique neste caso particular. O que propõem é que Bonifácio fique acima da lei e seja diferente dos demais cidadãos. Inaceitável argumento. 

No fundo o que este caso vem revelar é que certas elites nacionais recusam o Primado da Lei ("Rule of Law") e continuam a reclamar para si e para os seus um estatuto de privilégio, acima da Lei. 

O julgamento e condenação de Bonifácio seria pelo contrário uma vibrante afirmação de que vivemos num Estado de Direito e que ninguém pode arrogar-se um estatuto diferente dos demais. 

Economista