Mário Tavares da Silva , Visão online
Apesar do GCB em África revelar que a maioria dos africanos perceciona um aumento da corrupção no seu país, o documento transporta em si uma centelha de esperança ao desvelar, também, que a maioria dos africanos se revela otimista, sentindo cada um deles uma responsabilidade decisiva em fazer a diferença na luta contra essa mesma corrupção.
Por vezes, nem nos damos conta do paraíso em que vivemos, ocupados que andamos com outras minudências prazenteiras e histórias extraordinárias de silly season que tanto nos fazem vibrar de emoção, quais miúdos da escola a quem dão um chupa com novo sabor acabadinho de lançar.
Diria mesmo que de tão distraídos que andamos, não nos apercebemos que a corrupção, essa malfadada desdita que está presente por toda a parte, constitui indubitavelmente um vírus que corrói as sociedades das diferentes nações, que não apenas da nossa, e mina a confiança dos cidadãos nas instituições, em particular as que tem precisamente por missão a defesa do bem comum e, sobretudo, a proteção dos mais vulneráveis.
Ela afeta, como nenhum outro fenómeno, o bem-estar dos indivíduos, das famílias e das comunidades, pondo em crise a paz social, valor superior que qualquer comunidade deve procurar preservar.
Esta realidade, apesar de variar bastante entre os países e as diferentes instituições públicas que os caraterizam, traz à saciedade um facto indesmentível e consensualmente aceite. A corrupção prejudica, objetivamente, centenas de milhões de cidadãos, comprometendo, nessa exata medida, um futuro estável, próspero e digno para muitos deles.
E essa, por si só, é uma constatação que nos deve envolver a todos num esforço conjunto e concertado, com vista ao seu combate e erradicação.
Vem isto a propósito do recente relatório divulgado este mês pela «Transparência Internacional» e que dá corpo à 10ª edição do Barómetro Global relativo à Corrupção (GCB) em África, incorporando os pontos de vista de mais de 47.000 cidadãos oriundos de 35 países africanos.
Apesar do GCB em África revelar que a maioria dos africanos perceciona um aumento da corrupção no seu país, o documento transporta em si uma centelha de esperança ao desvelar, também, que a maioria dos africanos se revela otimista, sentindo cada um deles uma responsabilidade decisiva em fazer a diferença na luta contra essa mesma corrupção.
Neste contexto, e se nada mais existisse, essa circunstância deveria constituir, por si só, um exemplo a seguir pelas demais nações do mundo.
Os resultados do estudo demonstram globalmente uma insatisfação pública generalizada com o ritmo do progresso verificado no combate à corrupção que, verdade seja dita, continua a impedir o desenvolvimento económico, político e social dos povos africanos.
É, sem dúvida, um enorme obstáculo ao crescimento económico, à consecução de uma boa governança e, sobretudo, à necessária garantia das liberdades básicas, tais como a de expressão ou a que se ancora no direito dos cidadãos em responsabilizar, sempre que se repute necessário, os governos e os titulares de cargos públicos por atos corruptivos.
Mas há lições importantes a retirar. O caso da Gâmbia mostra, por exemplo, como os cidadãos podem desempenhar um papel fundamental na promoção dessas mudanças. Os gambianos têm sabiamente exigido uma maior integridade ao governo e aos governantes, forçando as elites e os líderes políticos a responder ao seu repto e a fortalecer os quadros necessários no combate à corrupção.
Disso é aliás prova o facto do regime autocrático do presidente Yahya Jammeh ter sido, entretanto, derrubado, descortinando-se no horizonte sinais encorajadores de que a opacidade, a repressão e a violação dos direitos básicos dos cidadãos que caraterizou a liderança de Jammeh no cargo estão paulatinamente (e felizmente refira-se) a ser revertidos.
Para a corrupção em África concorrem também outros «atores» não nacionais, sofisticados na ação, que promovem criminosamente o sistemático desvio de recursos críticos com prejuízo da satisfação pelas populações da necessidade de serviços públicos essenciais, em particular das franjas sociais mais vulneráveis. Paralelamente, as empresas estrangeiras prosseguem as suas estratégias de suborno de funcionários públicos, visando a obtenção de vantagens indevidas, tudo com inegável prejuízo para o normal funcionamento do mercado e da concorrência.
Os resultados do estudo fornecem-nos outros sinais de preocupação. Na realidade, mais da metade de todos os cidadãos considera que a corrupção está pior no seu país e que o seu governo está a desenvolver um mau trabalho no combate à corrupção. Não é, pois, com surpresa que se verifica que uma em cada quatro pessoas que recorreram aos serviços públicos, em particular os relativos à saúde e à educação, tiveram que pagar um suborno, o que traduz qualquer coisa como 130 milhões de cidadãos nos 35 países objetos de estudo.
O relatório também revela que a corrupção afeta de forma mais intensa as pessoas mais vulneráveis. Por exemplo, as pessoas mais pobres são duas vezes mais propensas do que as pessoas mais ricas a pagar um suborno para obter serviços públicos essenciais.
Ora ao pagarem subornos por serviços públicos essenciais, as famílias mais pobres ficam com menos dinheiro disponível para satisfazerem as suas necessidades básicas como sejam as relativas à alimentação, ao acesso a água potável e, em particular, à compra de medicamentos.
Muitos cidadãos consideram que a corrupção tem sido um fenómeno em crescendo, com os governos a fazer muito pouco ou quase nada para resolver esse flagelo. O suborno é uma prática muito comum em muitos países, sendo que neste particular os resultados da RDC (República Democrática do Congo), Sudão e Gabão se revelam particularmente preocupantes. Os elevados e crescentes níveis de corrupção, juntamente com a insatisfação que as populações sentem perante os esforços do governo para a enfrentar e conter, traz à saciedade a necessidade de estabelecer novos e mais robustos compromissos de estratégias anticorrupção.
Na Serra Leoa e na Libéria, o elevado nível de subornos nos serviços públicos também se apresenta como uma questão urgente, de tal sorte que o caminho deve ser o de garantir que todos os cidadãos devem poder aceder a serviços públicos essenciais sem que para isso tenham que pagar quaisquer subornos.
Mas nem tudo são más notícias. De facto, os cidadãos de Cabo Verde e das Maurícias foram da opinião de que existe pouca corrupção no setor público, com um baixo nível de suborno. Acresce que mais de metade dos africanos considera que todos e cada um deles pode contribuir, eficazmente, para mitigar ou mesmo evitar fenómenos de natureza corruptiva.
Em síntese, o relatório pugna que os governos africanos devam comprometer-se com a implementação dos esforços necessários a um eficaz combate à corrupção.
Mas como?
Fortalecendo as suas instituições, promovendo princípios éticos nos processos de aquisição de serviços essenciais e impondo a transparência nos modelos de financiamento dos partidos políticos.
Importante será também promover uma mais adequada e eficaz proteção dos denunciantes, estabelecer registos públicos dos proprietários de empresas de fachada e delinear, urgentemente, uma estratégia de recuperação dos ativos desviados ao erário público.
No quadro deste esforço global, as principais economias e centros financeiros offshore assumem um papel decisivo, pois para estancar o fluxo de dinheiro sujo para fora da África, é ingente planear e executar estratégias de combate à lavagem de dinheiro, apoiar o retorno de ativos desviados e estabelecer registos públicos transparentes de identificação dos principais titulares de ativos transacionados.
Factos como o crescimento da corrupção em termos globais, a incapacidade patológica dos governos em fazer o que é necessário, a falta de integridade dos funcionários públicos (entre as instituições públicas, a polícia é vista por 47% dos inquiridos como corrupta), o elevado índice de subornos, o elevado número de cidadãos que receiam represálias caso decidam denunciar atos de corrupção, entre outros aspetos, transformam e impactam, diária e diretamente, na vida de todos e de cada um dos cidadãos africanos, minando a integridade e a eficácia das instituições e privando os respetivos governos de importantes e consideráveis receitas fiscais que se revelam necessárias à satisfação das necessidades mais elementares das populações.
Neste quadro, espera-se que os governos das principais nações africanas possam fazer mais, bastante mais diria, contando, para o efeito, assim se deseja, com o contributo dos governos das principais economias, incluindo membros do G20 e da OCDE, bem como os dos centros financeiros offshore.
Por muito que queiramos continuar distraídos com as comédias sempre divertidas que a silly season nos proporciona, a verdade é uma só!
A corrupção existe e sempre existirá.
Façamos, pois, a nossa parte, combatendo-a e mantendo assim acesa a centelha da esperança!