Tiago Neves Sequeira, Visão online

Os pequenos municípios estão menos sujeitos ao controlo social e ao crivo dos pares que os grandes municípios.

Em Portugal a reorganização administrativa sugerida pelas organizações internacionais no âmbito do programa de intervenção externa (troika) a que Portugal esteve sujeito em 2011 ficou por fazer e parece ser um tema tabu na sociedade portuguesa! Em particular, não se alterou a distribuição territorial municipal. A distribuição do território nacional por municípios é altamente desigual por população, sendo que cerca de 40% dos mesmos tinham menos de 10.000 habitantes em 2017 (ver gráficos para uma melhor análise da distribuição).


Fonte: PORDATA
Fonte: PORDATA

As consequências de insistirmos na existência de uma multiplicidade de municípios que decorreram de uma realidade histórico-demográfica que já não existe, são várias e discutíveis.

Desde logo, é muito duvidoso que o facto de existirem munícipios com 10.000 habitantes ou menos garanta um melhor nível de vida para as populações locais do que se esse município se fundisse com outro com 50.000 ou mais habitantes. Afinal, as diferenças de poder de compra entre municípios contíguos não são muito significativas em Portugal. De facto, as diferenças de rendimento são mais marcantes entre grandes regiões dentro do território nacional do que entre munícipios contíguos. É aliás mais preocupante a distribuição do rendimento entre habitantes do mesmo município (vidé, por exemplo, a desigualdade salarial dentro dos municípios das áreas metropolitanas) do que a existente entre habitantes de diferentes municípios. Também parece evidente que um tão grande número de munícipios muito pequenos não favorece o controlo da despesa pública uma vez que um aumento de escala para organizações pequenas é normalmente potenciador de aumento de eficiência e poupanças (garantindo o mesmo nível de qualidade dos serviços públicos). Adicionalmente, torna-se óbvio pela evolução demográfica do país que a existência de muitos municípios nas regiões mais sujeitas ao despovoamento não o impediram ou travaram. Não existe nenhuma evidência portanto que um munícipio de 5000 habitantes preste um melhor serviço público, favoreça um melhor nível de vida ou combata melhor o declínio demográfico que um munícipio de, por exemplo, 50.000 habitantes.

No entanto, parece que a relação entre a dimensão dos munícipios e a pequena corrupção é um tema não só pouco estudado como também pouco abordado na opinião pública. Tratando-se de um artigo de opinião, não me guiam nestas linhas mais do que meras ilações. Devo também notar que me cinjo à análise desta relação tendo em consideração a pequena corrupção e não a grande corrupção, já que esta última afecta pequenas e grandes organizações, governos, e até organizações internacionais. Da primeira pouco se fala, da segunda assistimos todos os dias a notícias.

A actividade municipal na sua relação com os cidadãos centra-se muito na atribuição de licenças (para instalação de empresas, construção civil industrial, comercial ou residencial, podendo ir desde licenças para construção de um prédio de 15 andares até à autorização para construção de um pequeno edifício agrícola numa pequena propriedade rural). Ora, a atribuição de licenças à escala municipal está sujeita à pequena corrupção. A licença pode ser mais facilmente atribuída a quem tem boas relações com o funcionário responsável pela mesma, sejam elas de afinidade pessoal, partidária ou clubística. Mas a licença também pode ser facilitada por eventual troca de favores entre o cidadão que exerce a sua atividade profissional noutra entidade pública ou privada e o funcionário responsável pela atribuição da mesma (por exemplo, o cidadão que pede a licença pode estar em posição de beneficiar a obtenção de emprego ao filho do funcionário municipal). Adicionalmente, a licença pode ser facilitada se o cidadão oferecer uma prenda, ou mesmo dinheiro, ao funcionário municipal. Todos estes exemplos são conhecidos e, de forma mais ou menos presente ou frequente, foram já experenciados por muitos portugueses. Mas, porque pode ter este fenómeno da pequena corrupção uma relação com a pequena dimensão dos municípios? Porque os pequenos municípios estão menos sujeitos ao controlo social e ao crivo dos pares que os grandes municípios. Estão menos sujeitos ao controlo social dentro e fora da câmara municipal. Nas pequenas comunidades, as relações de amizade, familiares e económicas limitam a acção dos cidadãos e até da imprensa que, mesmo conhecendo os casos, não os denunciam porque estão muitas vezes envoltos em teias de dependência com o decisor municipal (seja ele autarca ou funcionário). Em alguns municípios pequenos, os serviços autárquicos chegam a representar mais de 70% do emprego e mais de metade da riqueza produzida. Por este facto, são fáceis de imaginar as relações de dependência existentes que não favorecem a denúncia ou investigação dos casos conhecidos. Estão também menos sujeitos ao crivo dos pares. Não é raro encontrar num município pequeno um serviço autárquico com um só profissional que, muitas vezes, é também um relevante decisor em matéria das já referidas licenças. Ora num serviço com um profissional (levando o argumento ao extremo) não há nenhuma forma de controlo pelos colegas!

Por todas as razões apresentadas e por se julgar que as pequenas organizações do estado estão mais sujeitas ao fenómeno da pequena corrupção, por não o estarem ao controlo social e ao crivo dos pares, é urgente relançar na sociedade portuguesa a discussão da reforma dos municípios!