Luísa Fontes Neves, Visão online

O Estado, tardia, mas felizmente, publicou as Lei 69/2014 e 27/2016, esqueceu-se foi de preparar, planear, controlar e fiscalizar, promovendo assim a criação de novas associações sem fins lucrativos, novos abrigos de animais não legalizados ou autorizados… Consequentemente reproduzem-se as falsas associações, os falsos peditórios públicos, os falsos abrigos.

Devia ter 5 ou 6 anos de idade quando, por influência da minha Mãe, entrou um cão em casa. Penso que a minha Mãe já teria cumprido os 80 anos, quando faleceu o último. Mas apesar de ter convivido (e vivido) tantos anos, com animais na família, apenas há 7 anos decidi assumir para mim própria essa responsabilidade quando, por acaso, vi uma foto na internet e 2 dias depois, fiz 800kms para trazer para casa aquela cadela com menos de 3 meses, a Petra Augusta.

De um dia para o outro, a minha vida (im)perfeita de profissional aprumada, dedicada às questões empresariais, no meu mundinho financeiro, transforma-se num mundo novo, inicialmente maravilhoso, mas que, com o tempo, se torna assustador quando vivencio o horror que pode ser nascer cão, ou gato, em Portugal.

Nas redes sociais, o assunto é tema a cada segundo com notícias de cães e gatos abandonados. Não é fenómeno novo, mas desde que as redes sociais existem que o número de animais abandonados e em perigo, parece ter crescido exponencialmente…

Claro que nos anos 80 e 90, quando víamos um cão sozinho na rua, não íamos aos gritos pelas ruas a pedir “ajudem!” “salvem-no!” “quem o acolhe?”… Nem telefonávamos esbaforidas às nossas amigas que viviam em Barcelos para nos ajudarem com o animal que estava abandonado no Algarve… E, muito menos, se pediam ajudas monetárias como atualmente, e corriqueiramente, se faz.

Mas o que parece ser uma evidência é que, com ou sem redes sociais, o número de animais domésticos (cães e gatos) abandonados, em Portugal, é crescente.

E não só esta evidência parece ser do conhecimento geral da sociedade, como inclusivamente se lida com ela, como um “mal necessário” ou, em determinadas circunstâncias, como “efeitos colaterais” da própria sociedade.

Um desses “efeitos colaterais”, parece advir da publicação da Lei 69/2014 “criminalizando os maus tratos a animais de companhia (…)”, seguida da da Lei 27/2016 a qual “aprova medidas para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais e estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população” publicada a 23 Agosto de 2016.

Afinal, estas 2 novas Leis, tão desejadas pelos protetores de animais, pareciam trazer “efeitos colaterais”.

Quando em Agosto de 2017, decorrido um ano da publicação da Lei 27/2016 que proibia o abate de animais domésticos em Centros de Recolha Oficiais – CRO - (ex “canis municipais”), a ordem dos veterinários declara verificar-se um aumento de 22% de animais abandonados face ao ano anterior, e que, em cerca de 7 meses, já haviam sido recolhidos 14.000 animais, todos os jornais publicaram a notícia como muito alarmante.

Omite-se, claro, até porque não é possível contabilizar, que o número de animais recolhidos e registrados nos CRO eram uma ínfima parte daqueles recolhidos em abrigos privados, associações e casas de particulares.

Se de acordo com a DGAV (Direcção Geral de Agricultura e Veterinária), existem apenas 139 Centros de Recolha Oficiais, com instalações próprias, num universo de 308 municípios, é fácil perceber que não são contabilizados milhares de outros animais domésticos, distribuídos por quase 300 Associações de proteção animal, juridicamente constituídas (das quais, apenas 62 com abrigos devidamente autorizados).

Penso não estar enganada quando, restringindo-me às associações formalmente constituídas, afirmo que vivem em abrigos muito mais que 20.000 animais domésticos.

Deparamo-nos, então, não só com o “efeito colateral” da nova legislação que vem proteger os animais domésticos, mas principalmente com aquele fenómeno meio “tuga” que é a perceção, reconhecimento e convívio com uma gigantesca economia paralela, a que chamo EPA, economia paralela dos animais.

Na EPA o fluxo monetário é gigantesco, grotesco, sem controlo, crescente, profundamente fraudulento, altruísta e simultaneamente egoísta, que atinge valores não quantificáveis, que teriam certamente expressão tanto no cálculo do crescimento económico como nas estatísticas de fraude (burla qualificada, burla informática, fraude fiscal, etc).

Não será, certamente, do conhecimento comum que uma associação/abrigo que acolhe cerca de 500 animais, necessita de ter um orçamento anual de cerca de 100.000 Eur pois além da alimentação e veterinários, há uma imensidão de serviços associados por trabalhadores remunerados, limpezas, obras, transportes, lavandarias, etc., etc.. E que, com tal orçamento apenas é possível alimentar animais com rações de baixa gama, colocar 10 ou 15 animais por boxe (quando não são 50) sem qualquer espécie de luxo. Porque são mesmo necessários 100.000 eur anuais para engavetar, alimentar e manter vivos em condições mínimas de salubridade, 500 animais que, naquelas condições vivem, frequentemente até à sua morte, sem serem adotados.

E é disto que a EPA se alimenta.

Porque mesmo após decidir estabelecer a proibição do abate de animais errantes, o Estado parece estar praticamente ausente na sua proteção… Não existem leis de esterilização massiva dos animais não reprodutores, ou programas de esterilização a nível nacional, ou acesso à esterilização dos animais a preços aceitáveis ou subsidiados. Não se aplica, efetivamente, a Lei que criminaliza o abandono e maus tratos a animais e, principalmente, não se investe em educação e formação cívica que é, e sempre será, o motor do desenvolvimento de qualquer sociedade.

Mas voltando à EPA, parece ser que, a origem destes gigantescos fluxos financeiros advém quase na totalidade de donativos particulares. Com a tónica numa elevada carga emocional, voluntariado e altruísmo se vão angariando verdadeiras fortunas para pagar veterinários, alimentação, medicamentos, alojamentos, gasóleo, água, luz, etc.

Mas com o vislumbre destas “fortunas” vêm de arrasto a ganância, a fraude, o desapego, e mais maus tratos aos animais, crescendo desmesuradamente um mundo paralelo ao da proteção: o da extorsão e da burla, íntimos aliados da EPA que, como uma erva daninha, cresce desmesuradamente, sem controlo algum.

O Estado, tardia, mas felizmente, publicou as Lei 69/2014 e 27/2016, esqueceu-se foi de preparar, planear, controlar e fiscalizar, promovendo assim a criação de novas associações sem fins lucrativos, novos abrigos de animais não legalizados ou autorizados… Consequentemente reproduzem-se as falsas associações, os falsos peditórios públicos, os falsos abrigos.

E eles, os animais? Damo-nos por felizes por viverem pouco tempo, pois cada ano que vivem, são milhares que vão alimentando a EPA.