José António Moreira, Jornal i
Um país sem poupança não tem futuro, nem é independente no presente. Não é por acaso que parte substancial das mais importantes empresas portuguesas é pertença de entidades estrangeiras.
Em 10/3/2012 escrevi: “A terminar, uma nota sobre poupança. As estatísticas mostram que a taxa portuguesa, que três dezenas de anos atrás era das mais elevadas do mundo, conhece dias pouco risonhos. Mesmo assim, por estranho que possa parecer, aumentou … desde que a crise financeira despoletou em 2008. O futuro deixou de ter o grau de certeza que pensávamos ter … Também neste domínio, a assimetria é a regra: 80% da poupança é assegurada por 20% dos cidadãos; 30% dos cidadãos apresentam uma ‘taxa de poupança negativa’, significando que o respetivo padrão de consumo é superior ao rendimento pessoal.
Dada a importância da poupança nacional para o financiamento da economia, evitando (ou reduzindo) o recurso ao financiamento externo, seria desejável que se adotassem políticas ativas de educação dos cidadãos para a poupança, começando pelas crianças na escola.
Porém, os Governos, nos últimos anos, não só não têm investido neste domínio como, pelo contrário, através de intervenções como, por exemplo, a alteração das regras de remuneração dos Certificados de Aforro, propiciaram incentivos para … que não se poupe.”
Fui revisitar o assunto, consultei as estatísticas do INE / Pordata:
2000 10,1
2001 10,6
2002 10,7
2003 10,3
2004 10,0
2005 9,4
2006 8,4
2007 7,5
2008 7,3
2009 10,9
2010 9,7
2011 7,8
2012 8,3
2013 8,3
2014 5,5
2015 5,7
2016 5,3
2017 5,1
É fácil constatar que nestes quase 20 anos cobertos pelas estatísticas a evolução da taxa de poupança, com exceção dos denominados “anos da crise”, tem vindo a verificar uma tendência decrescente acentuada. Atualmente é pouco superior a 4%, longe dos quase 12% verificados pela média da Zona Euro.
Múltiplas podem ser as razões apontadas para uma taxa tão baixa. Entre as mais comummente referidas costuma estar o atual baixo nível das taxas de juro (que é comum aos restantes países europeus), a que se soma uma tributação de quase um terço sobre os juros e outras remunerações obtidas em aplicações da poupança.
Estes fatores por certo contribuem de forma negativa para o cenário de (falta) de poupança atualmente existente em Portugal. No entanto, talvez mais importante seja o facto de continuar a não existir uma política pública estruturada de educação para a poupança.
Com frequência, ao fim do dia, enquanto deixo o olhar vaguear pelo jornal, a televisão, sintonizada num canal público, transmite um programa de entretenimento, um concurso que tem como prémio um montante monetário de 50.000 €. Uma das perguntas que o moderador, invariavelmente, coloca ao concorrente é sobre o destino que daria a tal montante se vencesse o concurso (o que nunca acontece). Com a exceção de uma concorrente de meia-idade, que referiu que o investiria na aquisição de uma habitação, os restantes, novos e menos novos, homens e mulheres, sistematicamente referem como destino desse montante o financiamento de viagens.
Não está em causa a importância do viajar na vida das pessoas. Porém, é preocupante este panorama, sobretudo num país onde a generalidade das famílias está endividada por muitos e muitos anos, fruto de empréstimos para a casa, o carro, os móveis e o resto. Depois das dores provocadas pela última crise económica, aparentemente já esquecidas, a próxima voltará, inexoravelmente, a trazer considerável aperto financeiro aos endividados, que poderia ser suavizado por um “pé-de-meia”, mesmo que modesto.
É esta aposta no presente, como se o futuro não existisse, que explicará, também, a baixa taxa referida. Uma aposta perigosa, porque um país sem poupança não tem futuro, nem é independente no presente. Não é por acaso que parte substancial das mais importantes empresas portuguesas, por vezes a totalidade do capital, é pertença de entidades estrangeiras. É consequência da incapacidade do país gerar poupança. A este nível macroeconómico não se espera que cada um, individualmente, pense primeiro no país, no bem comum. É ao governo que cabe fazê-lo. O que não tem acontecido.