Carlos Pimenta, Jornal i

“Quase todas as semanas há casos que acalentam polémicas em torno do futebol”

1. A fraude ‒ entendida como todo o acto intencional de pessoas, individuais ou colectivas, perpetrado com logro e que causa, efectiva ou potencialmente, vantagens ou danos a outros e que violam ou a ética, ou as normas organizacionais ou a lei ‒ abunda nas actividades desportivas, assumindo maior relevância nos desportos que mais apaixonam o público. Por isso, como dizia há uma década, “quase todas as semanas há casos que acalentam polémicas em torno do futebol. Árbitros, directores de clubes e órgãos de informação inflamam os sentimentos, incendeiam o clubismo, reduzem a racionalidade, encontram explicações para na mesa do café mostrarmos a nossa competência desportiva e concluirmos gloriosamente que a responsabilidade do que nos desagradou teve origem nos outros.”

No entanto, a fraude enquanto logro de uma ou várias vítimas, não é visível, não é observável até ao momento da sua detecção, confirmado apenas após julgamento em tribunal.

Os casos detectados de corrupção nas cúpulas da Federação Internacional a propósito da localização de eventos desportivos de monta; os muitos casos de branqueamento de capitais, aproveitando a desorganização interna de muitas organizações, as movimentações financeiras de difícil estimação, as relações entre alguns clubes e as actividades económicas e a projecção pública de dirigentes, jogadores, e a consequente cobertura sócio-mediática; as fugas ao pagamento dos impostos utilizando variegadas artimanhas, amiudadamente envolvendo os offshores e, finalmente, a viciação de resultados desportivos, são algumas das fraudes habituais.

Falar racionalmente delas pode ser positivo. Centrar os holofotes mediáticos em algumas também pode ser uma manobra de diversão em relação a outras que estão efectivamente a decorrer.

2. A viciação dos resultados pode visar diferentes propósitos (classificação ou apostas, legais ou ilegais), influenciar diversos agentes desportivos (dirigentes, treinadores, jogadores ou árbitros), recorrendo a diferentes processos (corrupção ou ameaça de morte do próprio ou de familiares), eventualmente associando-se a outras fraudes (com destaque para o branqueamento de capitais) ou outros crimes (como, por exemplo, o tráfico de drogas).

A diversidade de modus operandi e objectivos, assim como a frequência das fraudes e a sua mundialidade, tornam muito difícil a investigação criminal e a prova em julgamento. Há que aproveitar ao máximo todas as informações de um determinado tipo de fraude para extrapolar para outras situações, utilizando o rigor científico na determinação da probabilidade de fraude. Foi o que fez o Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF):

‒ No documento de trabalho (Working Paper) 59, assumindo os dados do Caso Calciocaos ‒ dos maiores escândalos mundiais de manipulação de resultados, tendo mesmo provocado a retirada de um título de campeão e na descida de divisão de várias equipas; caso ocorrido na primeira liga italiana na época desportiva de 2004/05, embora apenas tenha vindo a ser descoberto em 2006 e comas consequências a terem lugar apenas a partir da época de 2006/07; a manipulação de resultados consistiu na escolha dos árbitros por parte de algumas das equipas para alguns dos seus jogos, através de alguns membros das administrações dos clubes ‒ construiu-se um rigoroso modelo matemático.

‒ No Working Paper 61 utiliza-se, a partir do modelo elaborado anteriormente, o conceito de probabilidade de fraude para a Liga Portuguesa entre 2013 e 2018.

Os dois documentos estão inteiramente disponíveis no site do OBEGEF (www.obegef.pt) em [Publicações] / [Working Papers]

3. Será que a semelhança entre fraude e probabilidade de fraude vai ser bem entendida? Será que as instituições oficialmente responsáveis pelo futebol nacional compreenderão a importância destes trabalhos e as perspectivas futuras que abrem? Só o futuro nos permitirá responder.