Fernando Costa Lima, Visão online

A generalidade dos reguladores dá uma aparência de muito rigor na avaliação da idoneidade dos “candidatos” a lugares de administração ou fiscalização em entidades financeiras, esquecendo-se de intervir, sobre a matéria da idoneidade quando as pessoas já estão em funções.

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Face aos acontecimentos ocorridos recentemente com uma entidade proprietária de uma entidade bancária, os leitores vão perdoar-me a repetição (em grande parte) de uma crónica que escrevi neste mesmo espaço em 2009 e que, em meu entender, continua, infelizmente, muito actual.

Depois da crise financeira internacional de 2008 e depois dos problemas ocorridos com bancos durante e após a chamada crise das dívidas soberanas, muita lei, regulamento e outras regras foram publicadas no sentido de evitar que alguém não idóneo possa ser designado para uma instituição financeira ou para a entidade que domine essa instituição financeira.

Relatos que me chegam indicam que, actualmente, a generalidade dos reguladores dá uma aparência de muito rigor na avaliação da idoneidade dos “candidatos” a lugares de administração ou fiscalização em entidades financeiras, esquecendo-se de intervir, sobre a matéria da idoneidade quando as pessoas já estão em funções.

Aqui vai o que escrevi na altura:

“No Relatório de Supervisão Comportamental referente a 2007, o Banco de Portugal escreve, a dado passo: “A intervenção pública através da actuação de uma entidade reguladora e de supervisão procura reduzir todos estes custos de transacção e dar segurança aos consumidores através dos seguintes tipos de actuações: obrigatoriedade de divulgação de informação sobre os produtos; regras sobre a integridade e idoneidade das instituições financeiras e dos seus empregados; padrões sobre as competências elevadas que as instituições devem possuir; requisitos a que deve obedecer a publicidade e comercialização de produtos financeiros; normas sobre práticas comerciais equitativas.” (pág. 13, sublinhado meu).

Basta fazer uma pesquisa a toda a legislação e regulamentação das actividades financeiras em Portugal, bem como à correspondente legislação comunitária que a suporta, para verificarmos que a palavra idoneidade (associada a requisitos de exigência de idoneidade) surge um sem-número de vezes. De todas as referências, provavelmente a mais emblemática é o artigo 30.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que, para além de exigir idoneidade aos membros dos órgãos de administração e fiscalização, refere no seu n.º 2: “Na apreciação da idoneidade deve ter-se em conta o modo como a pessoa gere habitualmente os negócios ou exerce a profissão, em especial nos aspectos que revelem incapacidade para decidir de forma ponderada e criteriosa, ou a tendência para não cumprir pontualmente as suas obrigações ou para ter comportamentos incompatíveis com a preservação da confiança do mercado.”

Todo este arrazoado vem a propósito da constatação que faço de que os reguladores não têm usado a arma da falta de idoneidade para excluir do sistema pessoas e entidades que, de forma reiterada e ao longo dos anos mostraram “tendência para não cumprir pontualmente as suas obrigações ou para ter comportamentos incompatíveis com a preservação da confiança do mercado”. Dito doutra forma, os reguladores apenas permitem a entrada no sistema de pessoas e entidades que, à partida, não exibem nenhum sinal manifesto de falta de idoneidade, mas parecem não tirar as devidas consequências dos comportamentos do dia-a-dia dessas pessoas e entidades, parecendo, pelo contrário, ficar reféns em exclusivo do que refere o artigo 70.º do RGICSF, i.e. apenas actuam quando o próprio ou a instituição em que trabalham, se acusam.

Sou pois de opinião que os reguladores devem passar a usar sem condescendência e sem tibiezas a arma da falta de idoneidade, não apenas à entrada mas durante o exercício dos respectivos cargos e actividade, para eliminar do mercado as pessoas e entidades que, pelos seus actos e comportamentos, põem em causa o bom nome e a reputação de todo o sistema financeiro.

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PS: Reflexão a propósito da afirmação do antigo director do Departamento de Supervisão do Banco de Portugal, no dia 20 de Janeiro de 2009, na comissão parlamentar de inquérito: «Neste momento, face ao conhecimento que existe dos procedimentos desenvolvidos ao longo de uma série de anos, considero que efectivamente há dúvidas sobre a idoneidade» de Oliveira e Costa enquanto administrador do BPN. (Com base na notícia publicada no site http://tsf.sapo.pt em 20 de Janeiro de 2009)”