António João Maia, Jornal i
Não estamos longe de poder afirmar que os dias da corrupção são todos os que encontramos no calendário, dada a cadência com que os casos vão desfilando diante dos nossos olhos.
9 de dezembro é assinalado no calendário como o dia internacional contra a corrupção. Foi nesse dia, do ano de 2003, que os países do mundo assinaram a Convenção da ONU contra a corrupção, por reconhecerem estar perante um problema global e transnacional, cujo controlo carecia – e continua a carecer! – do desenvolvimento de estratégias e políticas comuns.
Acreditamos que a existência de um dia internacional contra a corrupção seja importante como forma de evitar que o problema possa cair no esquecimento das agendas políticas dos Estados, ou, como aqui procuramos fazer, para que seja pelo menos um pretexto para refletir um pouco sobre uma questão tão importante das sociedades dos nossos dias.
Porém não seria necessária a criação de qualquer data com este propósito, nem de outros dias associados a outros problemas sociais profundos, como sejam a descriminação racial, a violência doméstica, a erradicação de pobreza, ou os maus tratos a crianças e jovens, entre outros, para nos recordarmos deles. Infelizmente vamos tomando notícia a todo o tempo de manifestações concretas da sua existência.
Em certo sentido e regressando ao tema desta reflexão, não estamos longe de poder afirmar que os dias da corrupção são todos os que encontramos no calendário, dada a cadência com que os casos vão desfilando diante dos nossos olhos.
O recente estudo The Costs of Corruption Across the EU sinaliza negativamente a perda de ambição das instituições da União Europeias relativamente a um controlo mais efetivo do problema, estimando que as perdas geradas pela corrupção em toda a União representem um custo financeiro de 904 biliões de Euros por ano, valor que permitiria por exemplo acabar com a fome no mundo ou erradicar a malária.
Relativamente a Portugal, o estudo refere que os custos da corrupção representam cerca de 7,9% do PIB, ou seja 18,2 biliões de euros, valor equivalente a duas vezes o orçamento para a educação, a dez vezes os custos com o apoio ao desemprego, ou ainda a 72 vezes os custos com os serviços de bombeiros.
O controlo da corrupção pode – e deve! – fazer-se através da conjugação de três tipologias de instrumentos:
- Punição sobre as situações conhecidas, através da ação concertada dos Tribunais, do Ministério Público, das Polícias e dos Serviços de Inspeção e de Auditoria;
- Prevenção, através da existência de políticas e instrumentos de identificação, controlo e prevenção sobre áreas de risco e conflitos de interesses;
- Educação, através de programas educacionais adequados à promoção da Cidadania, da Ética e da Integridade junto dos diversos grupos etários, particularmente junto dos mais jovens.
Um dos elementos de grande importância associado à Educação e à Cidadania reside na denominada Sociedade Civil.
Entendida, grosso modo, como o conjunto das estruturas, formais ou informais, representativas dos interesses dos cidadãos e da sã vivência coletiva, a Sociedade Civil detém um poder e uma força natural capaz de questionar e cooperar com o Estado e todas as suas estruturas sobre a procura e construção das melhores soluções para os problemas coletivos, como é o caso da corrupção.
A Convenção da ONU de 2003 já reconhecia a importância da ação da Sociedade Civil ao assumir que a prevenção e a erradicação da corrupção são responsabilidades de todos os Estados e que estes devem cooperar entre si, com o apoio e a participação de pessoas e grupos que não pertencem ao setor público, como a sociedade civil, as organizações não-governamentais e as organizações de base comunitárias, para que seus esforços neste âmbito sejam eficazes.
Uma Sociedade Civil responsavelmente ativa e envolvida nas questões de interesse geral é um fator indispensável para melhorar a vida democrática de qualquer sociedade, como considera o Instituto V-DEM da Universidade de Gotemburgo.
E é este Instituto que em relatório recente – Democracy for All? - V-DEM annual democracy report 2018 – nos mostra que a Sociedade Civil portuguesa revela sinais modestos quanto ao seu envolvimento e participação ativa nos processos políticos e nas questões de interesses coletivo.
Deste ponto de vista parece estarmos ainda muito afastados de um contexto mais propício a uma redução e controlo mais eficaz do problema da fraude e da corrupção no nosso país.
Sem qualquer carga pejorativa ou juízo de valor, continuamos a preferir discutir o futebol, se a falta foi fora ou dentro da área, se a bola entrou ou não entrou na baliza, quantos milhões vai o meu clube receber por vender o jogador A ou B, em vez de procurarmos conhecer melhor outras questões, algumas das quais efetivamente mais próximas de nós e por isso com potencial de afetar mais diretamente a nossa vida pessoal. Talvez se explique também por aqui a razão pela qual os canais nacionais de TV passam programas cheios de comentadores de futebol no horário nobre de emissão, sobretudo entre domingo e quarta-feira, concedendo menos espaço informativo a outras questões ou temáticas, mesmo quando se tratam de casos de corrupção.
Ocorrem-me as palavras de Saramago, em A Caverna, quando afirma vender-lhe-íamos tudo quanto você necessitasse se não preferíssemos que você precisasse do que temos para vender-lhe.