Nuno Moreira, Visão online

A Diretiva 2014/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho estabelece que as entidades de interesse público (EIP) com mais de 500 colaboradores terão a obrigatoriedade de incluir no seu relatório de gestão uma “Demonstração Não Financeira”

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A Diretiva 2014/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2014, relativa à divulgação de informações não financeiras e de informações sobre a diversidade por parte de certas grandes empresas e grupos, estabelece que as entidades de interesse público (EIP) com mais de 500 colaboradores terão a obrigatoriedade (após transposição para o respetivo Estado-membro) de incluir no seu relatório de gestão uma “Demonstração Não Financeira” (DNF), que compreenda divulgações no âmbito da Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Temos como tópicos não financeiros, nomeadamente, as políticas organizacionais adotadas em matérias ambientais, sociais e dos seus trabalhadores, direitos humanos e também, conforme é referido na Diretiva, as práticas sobre “..o combate à corrupção e às tentativas de suborno”.

Esta Diretiva de 2014 só foi transposta para Portugal na segunda metade de 2017, concretamente, através do Decreto-Lei nº 89/2017. Por outro lado, também só em 2017 a Comissão Europeia deu orientações claras para a divulgação de informações não financeiras e recomendou uma metodologia a seguir para o respetivo relato, através da sua Comunicação 2017/C 215/01. O ano de 2018 é o primeiro ano de relato, com referência ao exercício económico de 2017.

Até ao momento, o relato de informações de caráter não financeiro, ainda não tinha assumido este caráter obrigatório, mas apenas voluntário; ou seja, é algo que tem ficado sempre ao critério das respetivas organizações, quer a divulgação de informações não financeiras quer a sua subsequente validação (assurance) por entidades externas independentes (e.g. Auditores Externos), em especial, através da Norma ISAE 3000 e ainda AA1000AS.

Até à transposição da Diretiva 2014/95/EU para Portugal, o modelo de relato empresarial nas Entidades de Interesse Público (EIP) passava por uma divulgação voluntária de informação não financeira, juntamente com a divulgação obrigatória de informação financeira. Esta Diretiva e o regime obrigatório que contempla para a divulgação de informações não financeiras, dará certamente um contributo muito relevante para uma necessária mudança de paradigma no modelo de relato empresarial.

Tanto académicos como profissionais concordam há muito que o valor de uma empresa não se encontra adequadamente representado apenas nas suas demonstrações de caráter financeiro. Os investidores e restantes stakeholders têm vindo cada vez mais a procurar e pressionar para um Relato Integrado, compreendendo as atividades desenvolvidas pela entidade e seus impactos numa perspetiva mais holística, que agrega não só as informações de caráter financeiro mas também as de caráter não financeiro; perceber não só como as empresas gerem a performance económico-financeira mas também os temas da sustentabilidade e responsabilidade social (no conjunto, o Triple Bottom Line).

A prática de divulgação por parte das organizações sobre matérias do foro da Sustentabilidade e Responsabilidade Social confere-lhes credibilidade e acréscimo de transparência e reputação; e isto ganha inequivocamente mais força quando falamos do facto de as Entidades de Interesse Público (EIP) abrangidas terem agora de explicar de que modo avaliam a luta contra a corrupção e as tentativas de suborno, tomam medidas para prevenir ou mitigar os respetivos riscos e impactos negativos, acompanham a sua eficácia e comunicam sobre este tema interna e externamente.

Devem divulgar informações materiais sobre a forma como gerem os casos de corrupção e de suborno e como operacionalizam o seu combate. Estas empresas podem equacionar a divulgação de informações materiais e de indicadores-chave de desempenho relativos, entre outros, aos seguintes aspetos (Comissão Europeia, Comunicação 2017/C 215/01) :

  • Políticas, procedimentos e normas de combate à corrupção;
  • Critérios utilizados nas avaliações dos riscos relacionados com a corrupção;
  • Sistema de controlo interno e recursos alocados à prevenção da corrupção e das tentativas de subornos;
  • Número de trabalhadores que receberam formação adequada;
  • Utilização de mecanismos de denúncia;
  • Número de ações judiciais pendentes ou concluídas relativas a comportamentos desta natureza.

Na sequência do que é referido na Diretiva 2014/95/EU, é ainda pertinente referir o seguinte:

  • De acordo com o princípio «pensar primeiro em pequena escala» (think small first), os novos requisitos de divulgação de informações deverão aplicar-se apenas a algumas grandes sociedades e grupos, as já referidas Entidades de Interesse Público; ou seja, estão de momento de fora a generalidade das nossas empresas, cuja esmagadora maioria são PME´s.
  • No que respeita à validação /auditoria externa (assurance) deste relato não financeiro, os revisores oficiais de contas deverão apenas certificar-se de que a demonstração de caráter não financeiro foi apresentada….e não validar /verificar.
  • Por ultimo, sendo verdade que muitas das EIP já têm implementado modelos interessantes de Governance e Gestão do Risco Empresarial (Enterprise Risk Management), atendendo à complexidade dos fenómenos de fraude e corrupção e ao facto de estes riscos terem uma gestão claramente atípica, terão seguramente ainda um caminho a percorrer, quer no combate a estes fenómenos quer nas divulgações (agora obrigatórias), no âmbito do relato não financeiro.

É, sem dúvida, um importante avanço mas, como facilmente também se alcança, estamos ainda a cumprir as primeiras etapas de um percurso que será ainda longo. Percurso que não poderá prescindir, em determinado momento, de uma maior abrangência desta obrigatoriedade a nível empresarial, bem como, à semelhança do que temos com o relato financeiro, termos também a função de Auditoria /Revisão Oficial de Contas a assegurar obrigatoriamente uma adequada validação e verificação do relato não financeiro, incluindo as divulgações relativas aos fenómenos de fraude e corrupção. Ou seja, garantirmos logo que oportuno um assurance global do relato empresarial, financeiro e não financeiro (Relato Integrado), como também  tomarmos a consciência que todos os “atores” neste relato, em especial, no que respeita aos riscos atípicos de fraude e corrupção, devem perseguir desde já a obtenção ou reforço de um necessário expertise na gestão, divulgação e assurance destes riscos específicos; por outro lado a consciência da necessidade de uma atuação em equipa, adequado a uma abordagem conjunta e multidisciplinar, única abordagem possível no seu combate.

Think small first... but then…. we should be clearly more ambitious!