As raposas e os galinheiros

As raposas dentro do galinheiro não são apenas os lobistas, são também alguns deputados que procuram influenciar as leis do parlamento em benefício dos seus interesses particulares.

Há poucas semanas, na Comissão Parlamentar para a Transparência, o deputado do PCP Jorge Machado defendeu que "legalizar o lobby é meter a raposa no galinheiro", ao que o socialista Pedro Delgado Alves contrapôs que a raposa já está dentro do galinheiro, ou seja, dentro da actividade política. É pública a posição da TI-PT nesta matéria: defendemos a transparência dos processos de decisão política e, como tal, a publicitação dos representantes de interesses que exerceram influência sobre os decisores públicos em determinada matéria. Essa publicitação pode fazer-se através de um registo de lobistas e eventual regulação da actividade profissional, mas sempre em conjunto com uma pegada legislativa que informe sobre os passos tomados na definição das leis e publicitação das reuniões de lobby mantidas pelos detentores de cargos políticos e altos cargos públicos (estão os partidos da esquerda à direita dispostos a implementar estes dois últimos mecanismos de transparência?). No entanto, concordamos com Pedro Delgado Alves: embora algumas fiquem à porta por falta de acesso privilegiado aos políticos, muitas raposas já estão de facto dentro do galinheiro, importa é colocar-lhe os holofotes em cima. Dito de outro modo, o lobbying - através ou não de intermediários profissionais - já se pratica junto do parlamento, do governo, de reguladoras, da administração directa e indirecta do Estado.

Contudo, as raposas dentro do galinheiro não são apenas os lobistas, são também alguns deputados que procuram influenciar as leis do parlamento em benefício dos seus interesses particulares. Na semana passada, a Transparência e Integridade denunciou o caso do deputado social democrata Carlos Peixoto, consultor remunerado pela sociedade de advogados Caiado Guerreiro, especializada, entre outras coisas, no fornecimento de serviços de assessoria jurídica a requerentes de Vistos Gold. O deputado em questão foi escolhido pela 1ª Comissão Parlamentar para elaborar um parecer sobre o projecto de lei do BE sobre a eliminação dos ditos Vistos Gold. Carlos Peixoto já veio afirmar que não existe qualquer conflito de interesses e será interessante saber se é essa também a leitura dos presidentes da 1ª Comissão e da Subcomissão de Ética, a quem pedimos esclarecimentos.

Com este exemplo (que não é de todo isolado), voltamos a nossa atenção para a Comissão Parlamentar para a Transparência que parece avançar para a recta final sem que se veja ou possa vir a ver obra concreta. Muito pouco nos projectos de lei apresentados pelos cinco partidos responde ao problema do conflito entre o interesse público e os interesses privados dos deputados, sendo que esse pouco se resume à relação entre Estado e privados, esquecendo que o parlamento legisla sobre bem mais do que a esfera pública. Além disso, nem tudo se resolve com leis e nenhum grupo parlamentar elaborou uma proposta de código de conduta claro e pormenorizado para deputados. Os membros do parlamento britânico, por exemplo, regem-se por um código de conduta que corresponde mais ou menos ao nosso estatuto do deputado. Mas porque é um documento que estabelece princípios gerais vem acompanhado de um guia para as regras de conduta em que define, explica e orienta na aplicação dessas regras. Os deputados britânicos não estão obrigados à exclusividade nem perdem direito de voto caso esteja a ser debatido um seu interesse pessoal. Mas têm obrigação de declarar o seu interesse antes de tomar qualquer acção e não podem ter iniciativas legislativas nem participar em processos legislativos ou de controlo político em que esteja em causa o seu interesse privado (sendo que o guia prossegue com a definição de todos estes termos e situações para que não haja interpretações subjectivas ou convenientes).

Bastaria uma pesquisa rápida num motor de busca para recolher uma mão cheia de boas práticas nestas matérias em exemplos tão óbvios como o britânico. Mas em dois anos e meio de comissão para a transparência, os deputados portugueses não tiveram tempo para esta pesquisa. Nem para ler o preocupante relatório do Grupo de Estados Contra a Corrupção do Conselho da Europa sobre a integridade do parlamento nacional. Nem os diversos estudos da OCDE sobre lobbying ou da OSCE sobre standards para parlamentares. Provavelmente nem para ler o que o Conselho de Prevenção da Corrupção diz sobre conflitos de interesse. Muito menos para ouvir especialistas internacionais ou até os seus pares noutros países. Talvez andem demasiado ocupados com os seus interesses privados para se ocuparem das matérias de interesse público. Talvez não tenham verdadeira vontade em alterar a opacidade da vida política. Não sabemos se a comissão irá parir um rato, mas que irá parir muitas raposas guardiãs do galinheiro, disso não duvidamos.

Vice-presidente da Transparência e Integridade (TI-PT)

 

 

Burros sim, ingénuos jamais

No Brasil, há quem acredite que uma citação de jornal de Fernando Haddad a dizer que, uma vez eleito, vai recolher todas as criancinhas até aos cinco anos e deixar ao estado a incumbência de decidir qual o seu sexo, é verdadeira e não uma montagem.

No entanto, esses mesmos crentes não se deixam enganar, não senhor, pelo sistema das urnas eletrónicas. Apesar do Supremo Tribunal investir em permanência na sua segurança, de o equipamento ser auditado três vezes, incluindo no dia votação, com a presença de representantes de todos os partidos candidatos, de especialistas brasileiros e estrangeiros atestarem a sua fiabilidade e de técnicos dos Estados Unidos invejarem a sua rapidez por comparação com os obsoletos papelinhos usados nas eleições americanas, um certo tipo de brasileiro desconfia.

A começar por Jair Bolsonaro, que horas depois de ter sido o mais votado na primeira volta das eleições, lançou suspeitas de fraude nas urnas eletrónicas, ganhando imediatamente a concordância do tipo de brasileiro que vota nele.

A propósito: será, então, que nas sete vezes em que o deputado foi eleito para o Congresso Nacional houve fraude nas urnas eletrónicas a favor dele?

No Brasil, há quem acredite que uma fotografia do candidato do PT a segurar um biberon (mamadeira no Brasil) com bico em forma de pénis, supostamente para combater a homofobia, é verdadeira e não uma montagem.

No entanto, boa parte desses crentes, não se deixa enganar, não senhor, pelo instituto de sondagens e pesquisas Ibope. Apesar da empresa ter sido fundada em 1942, manter 3500 técnicos especializados, ter uma receita anual de 220 milhões de dólares e ser considerada uma das 25 principais empresas mundiais do setor pelo ranking norte-americano Honomichl e ter até entrada em prestigiados dicionários brasileiros como sinónimo de audiência, um certo tipo de brasileiro desconfia.

A começar por Jair Bolsonaro, que no princípio do mês passado lançou suspeitas sobre uma sondagem que aumentava a percentagem de votos na sua candidatura mas também a de eleitores que o rejeitavam, ganhando imediatamente a concordância do tipo de brasileiro que vota nele.

A propósito: será então que as pesquisas que o colocam como vencedor das eleições batendo Haddad são então uma fraude?

O que leva um indíviduo a ter medo de passar por ingénuo mas a não se importar de passar por burro? E que o leva a acreditar numa corrente obtusa de whatsapp mas a desconfiar de organismos com credibilidade testada, auditada e comprovada?

Há três caminhos de resposta. Primeira: os crentes nas fake news distinguem-nas perfeitamente mas fazem-se de tolos apenas para as disseminar. Segunda: os crentes nas fake news estão de tal forma alienados que acreditam no que é dito pelo líder da manada sem gota de espírito crítico. Terceira: como constatou empiricamente o jornalista do

Financial Times Simon Kuper nas suas inúmeras viagens, quão menos transparente é o país mais o seu povo acredita em teorias da conspiração - segundo ele, milhões de iraquianos garantem que Saddam Hussein está vivo, por exemplo.

Não só está vivo como vota Haddad, deve ler-se um dia destes no whatsapp.

 

Emitido mandado de detenção para Vale e Azevedo

Ex-presidente do Benfica está a viver em Londres

Justiça A Procuradoria- -Geral da República (PGR) emitiu um mandado de detenção europeu para o antigo presidente do Benfica Vale e Azevedo.

O advogado está a viver em Londres, Inglaterra, apesar de ter uma pena de dez anos de prisão para cumprir. Os crimes pelos quais Vale e Azevedo foi condenado -abuso de confiança, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e peculato - estão relacionados com as transferências dos jogadores Amaral, Gary Charles, Tahar e Scott Minto para os encarnados.

A PGR confirma que, quando transitou em julgado a última sentença, solicitou a emissão do mandado de detenção europeu. E, nesse pedido, requereu ainda que Vale e Azevedo fosse extraditado para Portugal. Ambos os pedidos foram aceites pelo juiz e o mandado de detenção europeu já se encontra em vigor, o que poderá levar as autoridades londrinas a encaminhar o ex- -presidente para território nacional.

Da última vez que Vale e Azevedo foi alvo de um mandado de detenção europeu também estava radicado em Inglaterra e demorou quatro anos a ser extraditado. Nessa ocasião, cumpriu seis anos e meio de prisão devido a ilegalidades em vários processos. •

 

Ordem deixa prescrever queixa da advogada da Bragaparques contra Sá Fernandes

Defesa de Rita Matias vai avançar com o caso para os tribunais por considerar a conduta da ordem negligente. Sá Fernandes salienta que nestes 12 anos houve três decisões que lhe foram favoráveis

CARLOS DIOGO SANTOS

Mais de 12 anos depois, a Ordem dos Advogados arquivou a participação da advogada da Bragaparques contra Ricardo Sá Fernandes sobre gravações de conversas que este teve com Domingos Névoa (administrador da Bragaparques) - uma delas considerada pela justiça ilegal por ter sido feita sem autorização da mesma. O arquivamento é agora justificado com o facto de as alegadas infrações já terem prescrito - durante estes anos houve três decisões favoráveis a Sá Fernandes, mas a advogada participante não se contentou e recorreu sempre.

Tudo começou em 2006. A advogada Rita Matias entregou uma queixa no conselho de deontologia da ordem, dando conta de que Domingos Névoa tinha sido gravado sem o consentimento do próprio em conversas que tivera com o advogado Ricardo Sá Fernandes - seu colega de escritório e que tinha uma procuração de José Sá Fernandes (irmão) na ação popular que este interpôs no âmbito do processo de venda à Bragaparques de um lote da Feira Popular e da permuta de outro pelo Parque Mayer.

Ou seja, apesar de serem do mesmo escritório, defendiam interesses opostos num mesmo caso - que ficou conhecido como Bragaparques. Sá Fernandes sempre justificou a sua decisão, referindo que Domingos Névoa tentou travar a ação popular a troco de contrapartidas financeiras, uma versão contrária à de Domingos Névoa.

O administrador da Bragaparques foi condenado em 2012 pelo Supremo a uma pena suspensa mediante o pagamento de 200 mil euros, mas o crime de corrupção acabou por prescrever e, por isso, não houve consequências.

Ricardo Sá Fernandes, por outro lado, foi condenado no ano seguinte ao pagamento de 1200 euros por ter feito uma das gravações de forma ilegal, ou seja, sem autorização da justiça (o caso está agora no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem).

Nessa altura, porém, o processo disciplinar que já corria na Ordem dos Advogados há seis anos estava longe de ver o seu fim - que só agora chegou.

Na prática, apesar de a participação ter sido feita logo após as gravações, a ordem demorou mais de 12 anos até tomar uma decisão definitiva - isto porque as que foi tomando eram passíveis de recurso.

"Decorreram desde a participação disciplinar apresentada pela recorrente, dra. Rita Matias, até à presente data, 12 anos e 4 meses, e do alegado ilícito, 12 anos e 8 meses. [...] O tempo decorrido obriga necessariamente a que se proceda à análise da eventual prescrição do procedimento disciplinar, pelas infrações alegadamente cometidas até àquela data", refere o parecer de arquivamento da Ordem dos Advogados, a que o i teve acesso.

O documento conclui: "Face às razões acima aduzidas, julgando verificada a prescrição do procedimento disciplinar contra o senhor advogado participado/recorrido, determina-se o arquivamento do processo."

Contactada ontem, Rita Matias não quis prestar qualquer declaração, tendo sido o seu advogado, João Correia, a reagir a esta decisão: "No melhor pano cai a nódoa" "É impensável que a Ordem dos Advogados tenha uma conduta grosseiramente negligente relativamente a um procedimento disciplinar com esta importância e com este relevo", disse o advogado, adiantando que a ordem foi "devidamente advertida em sede de recurso para impedir com a sua conduta qualquer prescrição".

João Correia falou mesmo em "condutas homicidas e de negligência grave de alguns conselheiros que têm funções disciplinares", referindo "que eles próprios praticaram infrações disciplinares". A terminar deixou claro que a Ordem dos Advogados será "acionada nos tribunais" pela sua conduta.

Já Ricardo Sá Fernandes salientou ao i que "a ordem por três vezes se pronunciou sobre a inexistência de qualquer infração da minha parte. A outra parte não parou de recorrer e por isso chegámos aqui". E continua: "Para mim, este é um assunto que está arrumado, sendo certo que não fui eu que pedi o arquivamento por prescrição." A terminar, Sá Fernandes diz ter "muito orgulho como cidadão em ter contribuído para desmascarar um corruptor".