Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

Para solucionar qualquer problema, por mínimo que seja, é necessário começar por reconhecer que ele existe. Só depois dessa tomada de consciência se pode avançar para a identificação de causas e para a reflexão sobre possíveis remédios ou soluções.

Em Portugal, contudo, a tendência das elites dominantes consiste em negar os problemas e, consequentemente, não os resolver. É a técnica da avestruz que provoca, tantas vezes, a catástrofe.

Outros países enfrentam de frente os seus problemas, discutem-nos abertamente, identificam potenciais soluções, testam-nas e avançam.

Vejamos alguns casos de problemas concretos da sociedade portuguesa contemporânea que são sistematicamente negados como forma de impedir a sua discussão pública e a tomada de medidas que os eliminem ou minorem.

1. A pobreza. Segundo a versão dominante não existem pobres em Portugal, mas apenas pessoas em "risco de pobreza" no sentido que não sendo pobres poderão vir a sê-lo no futuro. No entanto, um quinto (20%) da população portuguesa vive abaixo da linha pobreza e outros tantos pouco acima. Ou seja, na verdade, quase metade da população é pobre e vive com vários tipos de carências materiais.

2. O racismo. A tese oficial, repetida ad nauseam, pretende fazer-nos acreditar que este fenómeno tão característico das sociedades ocidentais não vingou por cá. Trata-se da célebre exceção portuguesa inventada pelos ideólogos do luso-tropicalismo. Mas ao falarmos francamente com qualquer negro ou cigano todos, quase sem vozes discordantes, se queixam do racismo institucional para além do racismo individual que todos experimentaram na pele. Quem estará certo? Os que o praticam e o negam ou os que o sofrem e o reconhecem? A resposta é por demais óbvia.

3. 
A existência de classes sociais. Em Portugal vivemos no paraíso terrestre, o único país do mundo não dividido em classes sociais. Aqui os operários desapareceram, os capitalistas volatizaram-se, os camponeses eclipsaram-se, os intelectuais desistiram de pensar e apenas subsistem uma amálgama de pessoas que designamos por cidadãos, contribuintes ou simplesmente portugueses. Os sindicatos são tratados como uma inconveniente relíquia do passado em que as classes ainda afloravam no nosso país. Mas as greves continuam, as manifestações enchem as ruas e os conflitos irrompem perante o silêncio dos media um pouco por todo o lado.

4. Ignorância e incompetência. Desapareceu. Hoje todos se apresentam como altamente qualificados, todos profissionais de excelência, todos "dão cartas" no seu campo de atividade, todos "ombreiam com os melhores". E, no entanto, Portugal ostenta os mais baixos níveis educacionais da OCDE e os alunos portugueses quedam-se abaixo da mediania nos testes internacionais.

5. Atraso tecnológico. Esfumou-se. Leia-se a imprensa, oiça-se as rádios, veja-se as televisões e confirme que hoje todas as empresas imbuídas do melhor espírito empreendedor adotam as mais altas tecnologias, inventando produtos de qualidade que exportam para todo o mundo. E, no entanto, nem a comida que comemos conseguimos produzir em Portugal. E só temos uma balança positiva por causa do turismo, isto é, no essencial, um negócio de estrangeiros que trazidos por agências de turismo estrangeiras, transportados em aviões estrangeiros, hospedados em hotéis estrangeiros, vem consumir produtos estrangeiros no nosso país.

6. A violência policial. Só nos EUA, ou na Coreia do Norte. Aqui não. Em Portugal, a Polícia só atua em legítima defesa. E, no entanto, nos bairros periféricos, nos guetos urbanos a população mostra os sinais abertos, as feridas dessa atuação sem controlo. Sucessivos relatórios internacionais o atestam mas ninguém tem coragem de olhar o óbvio. Cito um caso relatado pelo Sapo Noticias em 2011 "Estavam a bater num surdo-mudo porque diziam que ele lhes tinha chamado nomes"!!

O negacionismo português vai ao ponto de negar o passado. Dois exemplos:

1. O fascismo não existiu em Portugal. Só em Itália. No nosso país apenas um regime paternalista que procurava o melhor para todos. E que fazer aos tantos que foram perseguidos, presos, mortos? E que dizer de instituições como a União Nacional, a Mocidade Portuguesa, a Legião, a PIDE/DGS, os campos de concentração tão característicos de um certo tipo de regimes?
2. A escravatura foi exemplar. Os escravos eram como que família dos negreiros! E, no entanto, eram forçados a trabalhar sem direitos, vendidos como coisas, mortos sem justiça. E que dizer da vida média de sete anos de uma pessoa depois de escravizada? E que dizer das violações, das torturas, das chicotadas? Tanta dor, tanta tristeza. Era esse o tratamento exemplar que gostávamos de receber da nossa família?

Eis como em campos-chave da vida nacional o negacionismo fomenta a ignorância, gera incompetência, impede a discussão, corta a possibilidade de análise objetiva dos problemas e a identificação de soluções contribuindo para a injustiça, o atraso e a dependência. Foi assim no passado é assim no presente. É preciso mudar.