Jorge Fonseca Almeida, Negócios
Um recente relatório da Amnistia Internacional, publicado na sua revista AGIR do primeiro trimestre de 2018, refere o verdadeiro calvário dos refugiados que escolhem o nosso país.
Um velho hábito das elites governantes do nosso país consiste na rápida e acrítica adoção de um discurso, e das correspondentes Leis, igual ao dos países com quem têm uma relação de subordinação, se bem que depois não consiga implementar no terreno o que proclama criando na sociedade um clima de doentia esquizofrenia consubstanciado no facto de que o que é proclamado não ser levado à prática.
Assim nasceu a expressão e se consolidou entre nós a expressão "para inglês ver" referente a declarações grã-eloquentes, plenas de razão e de justiça, mas que não passam de palavras vãs desacompanhadas das correspondentes ações.
Portugal foi, ainda no século XIX, no papel, dos primeiros a instituir a instrução primária obrigatória mas o último país europeu a eliminar o analfabetismo. O país foi pioneiro a legislar o fim da escravização de seres humanos, mas dos últimos a efetivamente erradicar esse comércio vergonhoso. Portugal defendeu a igualdade racial mas foi a última potência ocidental a abandonar as suas colónias africanas e asiáticas, e só o fez porque foi repetidamente derrotado no campo de batalha.
Vem isto a propósito da receção de refugiados. Portugal proclamou em uníssono com a Alemanha a sua disponibilidade para receber pessoas que fogem dos conflitos armados que assolam a sua pátria. Boas declarações, cheias de sonoridade e palavras fraternas. As ações contudo orientam-se em sentido contrário.
Um recente relatório da Amnistia Internacional, publicado na sua revista AGIR do primeiro trimestre de 2018, refere o verdadeiro calvário dos refugiados que escolhem o nosso país.
Em primeiro lugar a aprendizagem da língua portuguesa, ferramenta indispensável para a integração social – "as pessoas que chegaram em Março de 2016 estiveram à espera até Janeiro de 2017. O segundo curso abriu em setembro de 2017". Uma associação refere "De um universo de 108 pessoas que recebemos até agora, e que permanecem no nosso país, tiveram acesso aos cursos de português menos de 40". A realidade que contrasta com as declarações políticas.
Depois o acesso ao trabalho - "Houve pessoas que estiveram mais de oito meses à espera do número da segurança social". Um verdadeiro convite ao mercado paralelo.
E o que dizem os refugiados? "A Crescer é frequentemente questionada pelos refugiados sobre as dificuldades que estes encontram. Perguntam porque é que Portugal os está a receber se depois não está preparado e levanta obstáculos".
Naturalmente que muitos perante estas dificuldades optam por abandonar o país e procurar refugio por outras bandas mais acolhedoras. Cerca de metade já o fizeram, outros esperam oportunidade para o fazer.
Mas a pergunta feita pelos refugiados tem pertinência. Porque o faz Portugal? Para alemão ver obviamente. Mas o que está à vista de todos, inclusive dos alemães, é uma realidade muito distinta.
Os refugiados poderiam ser uma fonte de expansão do mercado de trabalho, um contributo para estancar o declínio populacional português que põe em causa o crescimento económico no médio prazo, uma injeção de juventude, talento e diversidade indispensáveis no mundo atual. Mais uma oportunidade perdida.
Economista