António João Maia, Jornal i online
Sendo a corrupção um tipo de acto (de crime) associado à incorrecta gestão do Estado, facilmente se percebe que os gestores das entidades públicas não podem deixar de ter instrumentos de gestão com um propósito preventivo.
Vimos também que sendo necessária a presença destas duas determinantes, será a ausência de Integridade o factor que mais pesará no resultado final da equação que conduz à corrupção. Por outras palavras, as práticas de corrupção ficam a dever-se sobretudo a opções das pessoas. Das tais pessoas que são menos integras. Deste ponto de vista, podemos afirmar que a corrupção é mais um problema das pessoas do que das organizações. Por isso vimos, já no final da mesma reflexão, como a Educação, sobretudo a Educação para a Cidadania, é um elemento de grande importância na promoção da Integridade e, acredita-se, na prevenção da corrupção.
Mas, como é evidente, será também importante e necessário agir preventivamente sobre a determinante objectiva. Sobre a Oportunidade.
E a prevenção neste âmbito faz-se – deve fazer-se! – no contexto das estratégias e dos instrumentos de gestão das organizações.
Sendo a corrupção um tipo de acto (de crime) associado à incorrecta gestão do Estado, por traduzir a sobreposição de interesses particulares ou de grupo sobre o interesse geral, como vimos noutras reflexões, facilmente se percebe que os gestores das entidades públicas – desde os órgãos do Governo até aos serviços da Administração Publica – não podem deixar de ter instrumentos de gestão com um propósito preventivo. E ao criarem e adoptarem esses instrumentos de gestão e prevenção de riscos estão também a promover uma maior qualidade do serviço público que prestam à comunidade.
E que instrumentos de gestão e prevenção de riscos de corrupção podem e devem ser desenvolvidos e adoptados pelas entidades públicas?
Podemos considerar uma espécie de polígono estratégico de gestão com cinco vértices, que devem funcionar de modo interligado e complementar entre si. Esses vértices são:
1 - A Carta Ética – uma espécie de plano de valores mais elevados que devem nortear todos os outros instrumentos de gestão – que define e assume de modo muito claro e inequívoco, junto dos trabalhadores (vinculo interno) e dos cidadãos (vinculo externo), quais sejam os grandes Valores de cidadania e de serviço público que a entidade deseja ver associados ao desenvolvimento da sua acção. A Carta Ética define os Valores institucionais de uma entidade pública. De uma maneira geral, os documentos deste âmbito que se conhecem – e já muitas entidades da Administração Pública portuguesa dispõem destas cartas Éticas – estão muito associados à Carta Ética da Administração Pública e aos 10 princípios que ela define;
2 - Existência de um quadro normativo claro, ou seja, o conjunto das leis e normas definidoras da função e da organização da entidade deve ser tão claro quanto possível. Este conjunto de leis e normas decorre e, ao mesmo tempo, configura as expectativas da sociedade e dos cidadãos sobre o que a entidade tem de fazer, ou seja, qual a sua função e o modo como deve ser alcançada – sabe-se como quadros normativos com zonas de alguma indefinição ou de maior complexidade podem ser também factores indutores de corrupção;
3 – O Código de Conduta, que complementa a Carta Ética, e que deve estabelecer indicações concretas sobre o modo como preferencialmente os trabalhadores da entidade devem pautar a sua actuação de modo a traduzirem os Valores institucionais. O Código de Conduta é a concretização dos Valores da Carta Ética. Por isso e de modo ajustado, algumas entidades optam por produzir um único documento definidor dos Valores e das Condutas, que é geralmente denominado por Código de Ética e de Conduta;
4 - Manuais de boas práticas, no sentido de se estabilizar, em documentos adequados, por cada área departamental ou por cada procedimento administrativo, o modo de execução concreta de cada tarefa funcional. Se o quadro normativo se refere a “o que fazer”, os manuais de boas práticas referem-se mais ao modo como se faz – ao “como fazer” –, ou seja, ao modo como em cada tipologia de situação concreta se aplicam as correspondentes leis e normas. Para lá de indicações técnicas e de medidas de optimização da cadeia operativa própria dos procedimentos, a estabilização das boas práticas derivará sobretudo da sedimentação da experiência acumulada pelos trabalhadores na realização dessas tarefas funcionais. A estabilização dos manuais de boas práticas para cada departamento e / ou para cada procedimento administrativo constitui-se como um contributo de consolidação de uma cultura organizacional de rigor, de cuidado e de segurança na execução das tarefas por todos os trabalhadores, conferindo maiores índices de confiança aos mais novos ou mais inexperientes em cada área funcional;
5 - Instrumentos de mapeamento e prevenção de riscos. Se os instrumentos de gestão identificados nos pontos anteriores constituem, no seu conjunto, uma espécie de manual de instruções ou mapa de operações da entidade, importa perceber de modo complementar – e para robustecer o processo de gestão –, quais são e onde se encontram as fragilidades das operações. É que elas são as portas para ocorrências não previstas, indesejadas e até potencialmente negativas. Algumas destas fragilidades podem ser mesmo as Oportunidades para as práticas de corrupção. Para tanto bastará, como vimos inicialmente, que se lhe associe um trabalhador menos integro. Depois de identificadas e mapeadas as fragilidades, importa que se definam a adoptem medidas de controlo destinadas a prevenir a concretização dessas ocorrências. Estes instrumentos de mapeamento e prevenção de riscos devem ser objecto de análise cíclica – pelo menos uma vez em cada ano – para aferição da sua eficácia operacional, para verificação da sua utilidade e eventual adoção de controlos adicionais.
A adopção de um conjunto articulado de instrumentos de gestão com estas características oferece às entidades públicas a possibilidade de robustecerem os índices de qualidade do serviço que prestam à sociedade, bem como da confiança quanto ao exercício das suas funções no quadro das expectativas dos trabalhadores e dos próprios cidadãos, que são os destinatários efectivos da sua acção. Que são afinal de contas a razão de ser da sua existência.