Rute Serra, Jornal i online

A condição de especial vulnerabilidade (onde se incluem os idosos) releva em diplomas relativos a práticas comerciais desleais, publicidade ou segurança geral de produtos, mas o mesmo já não sucede, quando se trata de celebração de contratos à distância ou de créditos ao consumo

A evidência que resulta dos números compele-nos inexoravelmente, a encontrar soluções. Consultado o site PORDATA constatamos que o índice de envelhecimento – número de idosos por 100 jovens - em Portugal, na década de 60, representava um rácio de 27% da população nacional. Atualmente, o valor estimado disparou para 143,9% (!), situando-se inclusivamente acima da média da União Europeia (122,0%). No ranking europeu, o pódio é constituído por Itália, Alemanha e Grécia. Portugal segue a tendência, figurando num, pouco feliz, quinto lugar. Em justaposição, o país que apresenta menor índice de envelhecimento populacional é a Irlanda, posicionando-se inclusive como um dos vencedores, no que à taxa de natalidade diz respeito (precisamente ao contrário do que sucede por cá).

As conclusões a retirar destes dados, são plúrimas. Centremo-nos, pois, num dos possíveis corolários interpretativos. A saber: conferirá o atual quadro normativo existente, adequada tutela jurídica, a este relevante grupo populacional, evidentemente mais vulnerável, no que tange às suas aptidões físicas e intelectuais e ainda às necessidades específicas?

Economicamente ativos e socialmente atuantes, esta é a nova geração de idosos. Ademais, muitos tornaram-se os novos provedores de lares, como a realidade recente, infestada pela crise económica que nos assolou(a?), veio demonstrar. Com isto, conclui-se desde logo, por uma alteração substancial das necessidades de consumo. Todavia, as condições, por vezes mais frágeis, de resistência psicológica destas pessoas, potenciam a exposição a logros. Estarão, portanto, enquanto consumidores, estes cidadãos devidamente protegidos?

A legislação comunitária dedicou alguma atenção ao assunto, expressa nomeadamente através de Resolução do Parlamento Europeu, de 22 de maio de 2012, porém sem força jurídica vinculativa, mas a qual reflete uma estratégia de reforço dos direitos dos consumidores vulneráveis.

Já a legislação nacional geral, cumpre no essencial, a demanda que as exigências sociais mais básicas reclamam, seja constitucionalmente, ou através da identificação destes fenómenos criminais como de prevenção prioritária (previstas no diploma que define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019). Excelentes intenções.

Porém, bastará uma análise perfunctória pelalegislação avulsa, para se identificarem lacunas que, se supridas, através da adoção de medidas de discriminação positiva, reforçariam e muito, o espectro protetivo desta margem crescente população. Senão vejamos: a condição de especial vulnerabilidade (onde se incluem os idosos) releva em diplomas relativos a práticas comerciais desleais, publicidade ou segurança geral de produtos, mas o mesmo já não sucede, quando se trata de celebração de contratos à distância ou de créditos ao consumo. A própria Lei da Defesa do Consumidor é omissa nesta especificidade. Estaremos perante uma ineficácia escabrosa da lei, pelo não cumprimento da sua função social?

Desde promessas de ossos de ferro, à impingidela de produtos financeiros incompreensíveis, à utilização de linguagem complexa e passiva-agressiva persuasiva, nas mais diversas situações comerciais, o bombardeio intensifica-se, sem que se vislumbre qualquer “estratégia de proteção ao idoso” que previna o dano, apesar desta, formalmente, existir desde 2015.

Passará a solução pela definitiva concretização de um Código do Consumidor, cujo anteprojeto podemos encontrar, empoeirado numa qualquer gaveta,há mais de dez anos? Não só, mas com certeza também.