António João Maia, Jornal i online

Este é um mundo em que tudo tende a ser mais rápido, mais intenso, mas também mais superficial, mais descartável, mais de “plástico”

Há dias, enquanto jantava num restaurante, não pude deixar de observar o jovem casal que estava na mesa ao lado, dada a dinâmica comunicacional em que estavam envolvidos. E enquanto comia e os observava pelo canto do olho, fui reflectindo sobre o mundo em que nos encontramos...

Mas vejamos primeiro a cena, para irmos depois à reflexão que ela suscitou.

Os dois jovens, ambos na casa dos vinte e poucos anos, sentaram-se na mesa, um em frente ao outro. Depois, para lá do agradecimento mecânico que ele dirigiu ao empregado que lhes indicou a mesa, não proferiram outra qualquer palavra durante longos instantes. Preferiram ficar com o nariz e os olhos literalmente colados aos ecrãs dos telemóveis que ambos já traziam nas mãos. E assim ficaram, entregues às mensagens que lhes iam chegando, às quais iam reagindo com ligeiros esgares faciais, a que se seguiam as respostas, que faziam sair dos seus ágeis e rápidos polegares.

E o registo que tiveram durante todo o jantar não se afastou muito disto. Entre garfadas na comida escolhida e muito breves trocas de palavras entre ambos, preferiram sempre tempos mais longos com as comunicações que cada um fazia com alguém situado algures no mundo.

É esta a realidade que as tecnologias da comunicação nos trouxeram para a dinâmica da vida social, pensei. A possibilidade de estarmos permanentemente em contacto, focados, com alguém algures no planeta. Esta é a revolução comunicacional que está associada à globalização. A revolução que tornou o mundo numa “aldeia global”, onde o “aqui e agora” parece estar a ser substituído por um “algures e agora”.

Em si mesma, a possibilidade de contactarmos uns com os outros, a todo o tempo e em tempo real, independentemente do local onde nos encontremos, parece uma coisa positiva. E é seguramente de grande utilidade relativamente a determinadas questões e problemas concretos do nosso dia-a-dia, como seja o simples facto de podermos pedir apoio a todo o tempo a alguém das nossas relações que sabemos estar disponível para nos ajudar.

Mas por outro lado julgo que não podemos deixar de verificar que este novo mundo traz consigo também um potencial para alterar algumas vertentes fundamentais das relações entre os indivíduos.

Hoje em dia, por exemplo, qualquer jovem refere facilmente ter mais de mil amigos na sua rede social, reconhecendo, ao mesmo tempo, não conhecer pessoalmente uma parte considerável dessas pessoas. São sinais estranhos sobre a noção de amizade e sobre os processos sociais e culturais de construção da amizade e das próprias relações sociais entre os indivíduos. Pelo menos de um certo ponto de vista mais tradicional, que alicerça as relações sociais e culturais directamente nas pessoas de carne e osso, olhos nos olhos, e menos em imagens projectadas que surgem “diluídas” nas redes sociais, associadas a nomes que muitas vezes nem conseguimos perceber que sejam os autênticos.
Não restarão muitas dúvidas de que este seja já um novo mundo, como se afirmou.

É um mundo em que tudo tende a ser mais rápido, mais intenso, mas também mais superficial, mais descartável, mais de “plástico”, como por vezes surge caracterizado. Um mundo que nos reconduz a uma realidade demasiado absorvente, que verdadeiramente nos engole com inúmeras solicitações – basta vermos por exemplo o número de convites que a todo o tempo nos chegam para vermos aquele filme, para lermos um determinado livro, para visitarmos uma exposição de fotografia e, já agora, outra de pintura, e porque não uma de arquitectura, para irmos ao teatro, para fazermos aquelas férias de sonho, ah e aquela caminhada, enfim tantas coisas… – sabendo nós claramente, de antemão, que não há nenhuma agenda que permita satisfazer todas as solicitações. Mas ainda assim continuamos neste verdadeiro afã de querermos ir a todas, quando na realidade acabamos por não ir verdadeiramente a nenhuma, no sentido de estarmos lá de corpo e alma. Porque estamos ali, mas a cabeça e o espírito estão noutro local. Estão a rever o que marcou mais a nossa atenção do que fizemos anteriormente, ou então a antecipar o que faremos de seguida.

Em certo sentido, parece que o “aqui e agora, de corpo e alma” tende a perder-se. E este efeito será tanto mais estranho, como disse anteriormente, quando “este aqui e agora, de corpo e alma” se tenha de fazer na presença real e efectiva de outra ou de outras pessoas. A dinâmica deste mundo está com maior ou menor incidência a contribuir para alterar as relações sociais entre as pessoas.

E foi precisamente este o efeito que me pareceu estar ali ao meu lado durante aquele jantar. Aquele casal, aquele rapaz e aquela rapariga pareciam estar menos um com o outro e mais com outras pessoas. Com pessoas que não estando ali, por não serem visíveis, acabavam por ser efectivamente as suas companhias. Estes jovens estando ali, não estavam ali. Faziam companhia um ao outro enquanto jantavam, é certo, mas estavam na realidade na companhia dos seus interlocutores. Daqueles com quem tão intensamente trocavam mensagens escritas.

Não me consigo esquecer da inscrição que uma vez li manuscrita num papel colado na parede de um simples café de bairro, e que dizia muito simplesmente o seguinte:

“Não temos wi-fi. Falem uns com os outros!”