José António Moreira, Visão online,

O que terá acontecido neste tipo de negócio não deverá ser diferente do acontecido no negócio das pedreiras, nos anos 90, ou no da construção, no início do presente século, que se viram envolvidos, de forma alargada, em fraudes baseadas na utilização para efeitos fiscais das denominadas “faturas falsas”.
...

O Jornal de Notícias de 10 de setembro noticiava em primeira página, em grandes parangonas, “Fraude de 31 milhões de euros no negócio do ouro”, remetendo para a sua página 22 o desenvolvimento da notícia.

Sob o título “Fraude de 31 milhões de euros com ouro exportado”, o jornalista procurou, no primeiro parágrafo da peça, resumir o caso: Graças a uma multitude de empresas de fachada que vendiam faturas falsas, um grupo de 31 pessoas ligadas ao negócio da compra e venda de ouro, liderado por um empresário da Maia, conseguiu montar um esquema que lesou o Fisco em 31,7 milhões de euros durante quatro anos. Ao todo, são 46 arguidos, 15 deles empresas, que foram recentemente acusados pelo Ministério Público de fraude qualificada e associação criminosa. Ninguém está preso.”

A partir daí, no resto da página (embora metade fosse uma fotografia colorida de uma pilha de barras de ouro), enche o espaço com um amontoado de frases, saltando de supostas informações provenientes do DCIAP – Departamento Central de Investigação e Ação Penal, para tentativas de explicação do caso que se presume seriam de sua própria autoria. Dessa amálgama de ideias soltas o leitor ficava – eu fiquei – sem perceber, minimamente, o caso nos seus contornos e respetivo “modus operandi”. Poderia o leitor, eventualmente, especular em que consistiu o caso, a partir do último parágrafo, também ele muito confuso, quando é referido que o principal arguido comprava “ … o ouro por um valor abaixo dos preços de mercado … e [declarava] à autoridade tributária um preço de compra acima do verdadeiro, baixando a percentagem de impostos, designadamente IRS e IRC …”.

Especulo. A referência ao negócio do ouro, neste caso, parece ser uma peça de informação sem qualquer préstimo para se perceber o caso. O que terá acontecido neste tipo de negócio não deverá ser diferente do acontecido no negócio das pedreiras, nos anos 90, ou no da construção, no início do presente século, entre outros, que se viram envolvidos, de forma alargada, em fraudes baseadas na utilização para efeitos fiscais das denominadas “faturas falsas”. Uma arquitectura simples: negócios ou prestações de serviços que as empresas têm de faturar por imposição do comprador – no caso do ouro, sendo exportado, os compradores exigiriam justificativo –, mas para os quais não têm comprovativos dos gastos suportados com a compra ou a prestação dos serviços – no caso do ouro, parece que a rede comprava ouro sem comprovativo, a intermediários não registados legalmente como tal. Nada sendo feito, uma vez que não há justificativos dos gastos tidos com a atividade, para efeitos de pagamento de impostos sobre o rendimento o valor das faturas emitidas aquando das transações é tomado, integralmente, como lucro. Daí resulta, portanto, que a utilização das ditas “faturas falsas”, emitidas por terceiras entidades e sem qualquer suporte de transacções reais, são utilizadas na contabilidade da empresa fraudadora como gastos de atividade.

Terá sido este o contexto da fraude. Sem prejuízo de poderem ter existido outros processos legais contra pessoas ou empresas, por intermediação não autorizada no negócio do ouro, aquilo que o referido caso parece consubstanciar, mas que não é minimamente claro na peça jornalística, é o da utilização de “documentos forjados” para reduzir a matéria coletável e o imposto sobre o rendimento a pagar.

Duas curtas notas para reflexão. Primeira, tem-se vindo a verificar degradação assinalável na qualidade da informação jornalística de natureza escrita, nomeadamente a de cariz técnico. Muita dela, como é o caso, tem por base comunicados emitidos por entidades oficiais, ou agências noticiosas, que são truncados até ao ponto em que, da síntese que tende a ser qualquer comunicado desta natureza, o que a notícia propõe é um texto sem sentido, que se alarga por colunas e colunas.

Segunda, esperar-se-ia que os restantes meios de comunicação social – sempre que pegam na “cacha” de um concorrente –, ou a multiplicidade de pontos de divulgação da informação inseridos nas denominadas redes sociais, fossem críticos e trabalhassem a informação de modo a apresenta-la de modo mais claro. Fui à procura. Conclui que não é o caso. Uma busca na “net” sobre a notícia que se discutiu, permitiu detetar quatro outros pontos de disseminação da mesma, para além do próprio “site” do jornal: dois blogs, o ”Notícias ao minuto”, “A Bola”. Caraterística comum a todos eles: limitaram-se a copiar o primeiro parágrafo da notícia, tal como constava do “site” do Jornal de Notícias. Como se uma notícia mal escrita, repetida cem vezes, proporcionasse ao leitor uma visão clara do assunto.

A quem serve isto? Aparentemente, a ninguém. Socialmente, os recursos gastos com este tipo de difusão informativa não passam de um desperdício.

.