Pedro Moura, Jornal i online
Sempre que me encontro numa situação de diferendo ou negociação que envolva outras pessoas, tenho o hábito de tentar sair um pouco do calor da discussão e lembrar-me de uma máxima que muito prezo: “é mais o que nos une que os que nos afasta”.
Faço-o sobretudo porque por experiência própria o recordar-me deste dito leva a que pelo menos a minha parte (eu) evite avançar para posições extremadas, e a tentar entender quais os pontos em comum com a outra parte sobre os quais construir uma solução para a situação. Discordar é fácil, chegar à concórdia custa um pouco mais.
E faço-o também porque acredito seriamente na mensagem ética e moral que esta frase contém.
Há uma tendência naturalmente humana para acharmos que o nosso problema é o mais grave ou que a nossa perspetiva ou opinião são garantidamente as corretas. Doutra forma não haveria debate ou problemas, ambos necessários para o regular funcionamento e evolução da realidade. No entanto há outra característica marcadamente humana que ajuda muito na resolução de problemas e que sinto se anda a perder um pouco: a empatia, ou capacidade de nos identificarmos verdadeiramente com o Outro. É no equilíbrio entre o egocentrismo das nossas perspetivas e a empatia da nossa capacidade de entender o Outro que costuma estar a chave para a resolução das questões entre humanos.
Vem este rolambório a propósito de um tema que me preocupa sobremaneira: a excessiva polarização da sociedade em torno de assuntos e causas que, sem desmerecerem mérito, estão a levar a uma fragmentação do espaço público, a um quase fanatismo opinativo que resulta quase sempre em ‘indignações’ e a um primado do discurso politicamente correto que leva a que a opinião de alguém que não seja totalmente alinhada com a posição e discurso de um qualquer grupo de interesse é considerada e condenada por esse mesmo grupo, paradoxalmente, como ‘intolerância’, ‘primitivismo’, ‘estupidez’, ou ‘bota-abaixismo’.
A evolução das redes sociais, em que para cada pessoa é 'construída' uma espécie de ‘bolha percecional’ em seu redor composta por gentes, temas, informação e opiniões similares à sua (tudo com base em ‘likes’ e algoritmos que ‘escolhem’ o que cada um vê), leva a que num tempo de acesso quase ilimitado a informação cada pessoa habite num espaço informacional e opinativo cada vez mais restrito.
Há uma atenção enorme que se dá às problemáticas e defesa dos grupos A, B, C e D (identificados por uma qualquer categorização sexual, racial, social, de género, profissional, político, ou outras 'minorias') que sofre historicamente de enormes injustiças (não estou, necessariamente, a ser irónico) e que tem de ver as suas reivindicações asseguradas. E ai de quem ouse tecer o tal comentário não totalmente alinhado: cai Carmo e Trindade, e as terríveis ondas do Adamastor da Indignação virão para deitar abaixo os ‘infiéis’ que ousaram não alinhar no unanimismo primário e resolveram fazer, pasme-se, uma pergunta ou ter uma opinião. É o reinado do politicamente correto levado ao extremo a agir como censura real de opinião e discordância.
Mas ainda mais importante que esta nova censura (geralmente ‘imposta’ por gente que se auto-considera ‘democrata') é o facto de me parecer que as pessoas se estão a esquecer que “é mais o que nos une que o que nos separa”. Somos todos cidadãos de uma república democrática, com uma res publica cultural, social e económica da qual todos somos responsáveis. Se acreditamos todos na liberdade, temos de a praticar, mesmo quando a conversa não nos agrade. Se acreditamos no bem público, temos de ter noção que há temas de enorme importância para todos dos quais nem se fala (por exemplo, segurança social, futuro do trabalho, papel do Estado na economia, sistema de Educação, etc, etc) e lembrarmo-nos que quando tudo é importante, nada é importante.
É imperativo para a coesão presente e futura da nossa sociedade termos bem presente o que nos une, e garantindo que o que nos separa é respeitado (acarinhado até) mas não nos coloca de costas voltadas.