Raquel Brito, Jornal i online

Se uma janela partida num edifício não for reparada, rapidamente todas as restantes serão partidas

“Médico passou 60 atestados para carta de condução num só dia” – DN

“A fraude à inglesa para conseguir reembolso das férias” – TVI 24

“Volkswagen, a falsificação no processo de produção” – Observador

“Toshiba. Pedido de perdão depois da falsificação dos lucros.”- Observador

“Petrobras. Petróleo + subornos = Lava jato” – Observador

“BES/GES. O escândalo português que chegou aos 4 cantos do mundo” - Observador

“A Siemens e as suspeitas de subornos em troca de contratos” - Observador

“Madoff. O maior burlão da história?” - Observador

Fraudes informáticas: sextorsion, furto de identidade, acesso ilegítimo a dados dos telemóveis, phishing, burlas no FB, …, …, …

Etc, etc, etc, …. é infindável a lista de casos de fraude e corrupção. O que torna aceitável reconhecer que este fenómeno criminal se reveste de uma transversalidade espacial e temporal. Parecendo não dar tréguas.

Tradicionalmente, ou, em boa verdade, culturalmente, não nos assiste grande apetência para a deteção (atempada), muito menos para a delação (exceto quando o dano é em causa própria). Bem, de qualquer forma, os recursos de combate ao fenómeno da fraude e corrupção não se esgotam nesses instrumentos. É sempre possível recorrer à prevenção que, tradicionalmente, entre nós, também não se revela muito importante.

Obviamente (quase) todos procuram sempre um “favorzinho”, ou dinheiro fácil, ou elevados lucros rapidamente, ou derrubar os seus rivais, ou obter mais poder ou, simplesmente, ser “chico esperto”. O que na verdade não seria de todo condenável, caso os meios para atingir os fins fossem legítimos. Desprovida de veleidade, a ideia de incutir na sociedade civil uma cultura de meritocracia seria de todo desejável, apostando na formação de práticas antifraude, antiética e outras similares.

Com base neste pressuposto, prevenção da fraude pela incursão de políticas sociais que privilegiam o mérito, colocam-se questões de execução: como prevenir? Quais as metodologias mais indicadas? Quando iniciar as politicas de prevenção? Em que população intervir inicialmente?.... ?.... ?

Na segunda metade do século XX, em 28 cidades de New Jersey, EUA, foi implementada uma política social de combate à criminalidade pressupondo a prevenção. Este programa assenta numa teoria denominada Broken Windows[1], cuja aplicabilidade já se refletiu em território nacional (cidade do Porto). Em termos muito gerais, esta teoria pressupõe a participação de toda a comunidade na prevenção da criminalidade[2]. Os autores do conceito Broken Windows referem que o vidro partido, de uma janela ou de uma montra, não sendo substituído leva à desordem, à decadência, ao medo e, consequentemente ao aumento da criminalidade. Ou seja, a comunidade deve estar envolvida em reparar e cuidar o espaço que ocupa desde os mais ínfimos pormenores. Do programa resulta a assunção (quer de sociólogos, quer de OPC´s) de que se uma janela partida num edifício não for reparada, rapidamente todas as restantes serão partidas, independentemente da “qualidade” da vizinhança.

Tal como refere a teoria supra citada, infrações menores estão na origem de ilícitos graves, o que na grande maioria das vezes ocorre com a fraude: nobody cares…! No entanto, é necessário compreender que os dados estatísticos e as análises financeiras reportadas referem-se, normalmente, às instituições (casos como BPN, BES) e não ao dano sofrido por cada indivíduo, o principal lesado destes ilícitos. É importante assumir que alguém se preocupa, que alguém quer saber!

Talvez fosse útil, havendo vontade (política) para tal, dar início à prevenção de comportamentos fraudulentos e crimes de corrupção. Muitos seriam os passos a dar. As escolas poderiam funcionar como a linha da frente, a instituição que repara o “1º vidro partido”. Empresas públicas e privadas deveriam apostar em pequenas formações acerca do tema (e não só em códigos de conduta que ninguém lê).

Assim, subjaz a ideia que o cidadão comum acarreta com a responsabilidade de não compactuar com a disseminação do fenómeno, devendo preveni-lo, pois é ele, normalmente, o principal lesado.

Em suma, no que respeita à fraude e corrupção, cabe ao cidadão lutar pela implementação de políticas de prevenção, pela reparação das “janelas partidas”.

 

Notas:

[1]Tem como principais autores George Kelling e James Q. Wilson (1982), no entanto, alguma literatura faz referência a estudos anteriores com o mesmo fundamento.

[2] Em particular, esta teoria, assenta na criminalidade de rua, não na criminalidade económica- financeira. Alude a questões sobre o patrulhamento, a forma de atuar dos OPC´s e outras questões que não serão aqui referidas.