Manuel Castelo Branco, Visão online,
Dizer-se que uma instituição é corrupta não é o mesmo que dizer-se que ela se encontra cheia de indivíduos corruptos (pode está-lo, ou não).
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Lawrence Lessig é um académico norte-americano, professor de direito na Universidade de Harvard, e ativista político que se tornou mais conhecido do público por ter sido candidato à presidência dos Estados Unidos da América (EUA) nas eleições de 2016. No seu curriculum também se destaca o facto de ter sido um dos fundadores da Creative Commons.
A motivação que Lessig apresentou para se candidatar relacionava-se com a importância que atribuía à influência do “dinheiro” na política. A sua principal pretensão era reduzir tal influência. Note-se que quando se fala da influência do dinheiro na política, pretende-se dizer “influência dos milionários na política” ou “influência do 1% na política”. A pretensão de Lessig era estabelecer uma cidadania verdadeiramente equitativa, designadamente através da aprovação daquilo a que chamava Citizen Equality Act (Lei da Igualdade dos Cidadãos), uma lei que deveria contribuir para a restauração da democracia participativa. Esta lei baseia-se em três grandes ideias: igualdade de direito de voto; igualdade de representação; eleições financiadas pelos cidadãos. Por exemplo, uma vez que nos EUA as eleições ocorrem em dia normal, de trabalho, uma alteração importante seria a de fazer do dia de votação feriado nacional. Uma outra alteração importante seria fazer com que o presidente fosse escolhido através contagem direta dos votos dos cidadãos. Ainda outra alteração seria a de proibir financiamento de campanhas por parte de empresas. Sendo implementada tal lei, uma verdadeira revolução ocorreria nos EUA.
Para Lessig e seus apoiantes, o sistema político dos EUA está viciado em favor dos mais ricos e poderosos e ignora os interesses dos cidadãos “normais”. A influência do dinheiro na política fez com que a democracia representativa se tenha tornado tão corrupta que apenas aqueles que financiam de forma significativa as campanhas políticas vêm os seus interesses representados. Esta desigualdade fundamental influencia o tratamento de todos os assuntos, desde as alterações climáticas às reformas do sistema financeiro. A solução seria fazer com que todos os cidadãos fossem representados equitativamente.
Na base das propostas de Lessig encontra-se a noção de “corrupção institucional”, da qual é um dos principais proponentes. Esta perspetiva institucional da corrupção implica que se pense e se trate também a corrupção das instituições e não apenas a dos indivíduos. Lessig reconhece os problemas do suborno e da influência dos grupos de interesse na tomada de decisão por parte dos políticos (ou seja, a forma como tais grupos conseguem aprovações de leis favoráveis por via das suas contribuições políticas). Não obstante, ele também considera que dizer-se que uma instituição é corrupta não é o mesmo que dizer-se que ela se encontra cheia de indivíduos corruptos (pode está-lo, ou não). No caso de uma instituição, dizer-se que foi corrompida é dizer-se que não funciona de forma a atingir o seu propósito e que algo interferiu na sua capacidade de funcionar como originalmente se pretendia e de prosseguir o seu propósito.
Para Lessig, não obstante possam ser respeitadores da ética e pessoas decentes, políticos e lobistas acabam enredados por um sistema de dependência mútua em que o dinheiro influencia a tomada de decisão. Esta influência pode não ser direta, como evidencia o exemplo dos membros do Congresso dos EUA com poucos colaboradores. Nestes casos, a escassez de recursos leva a que se apoiem nos lobistas para obter informações relevantes ou até escrever as suas propostas, dependendo mais dos seus conhecimentos do que do dinheiro. Lessig considera que a corrupção institucional vê-se confirmada quando a confiança do público diminui como consequência da perceção coletiva de que a instituição e os seus líderes já não se comportam de acordo com o entendimento geral sobre o seu propósito.
Este entendimento da corrupção institucional também se pode aplicar ao setor privado e a outras instituições. Há 17 anos que o Edelman Trust Barometer estuda o nível de confiança de milhares de pessoas de numerosos países relativamente a quatro instituições: empresas, meios de comunicação social, governo e organizações não-governamentais. O mais recente barómetro da Edelman Trust, o de 2017, revela uma verdadeira crise de confiança por todo o mundo. Os níveis de confiança da população em todas as quatro instituições decresceu de forma generalizada, algo que ainda não tinha acontecido desde que este tipo de análise é realizada. Em quase três terços dos 28 países estudados, a população em geral não confiava em nenhuma das quatro instituições para “fazer o que está certo”, sendo o nível médio de confiança nas quatro instituições consideradas em conjunto inferior a 50%.