Pedro Moura, Jornal i online

Este tipo de estruturas de Observatório (ou similares) pode ter um papel muito importante na promoção da transparência e cultura de avaliação, sobretudo através da credibilização progressiva da informação que vai chegando ao público

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O Estado português, concorde-se ou não, tem sido um ator de enorme importância na prestação de incentivos financeiros à melhoria da competitividade e resultados do tecido empresarial português.

Grande parte destes incentivos têm sido veiculados através de linhas de apoio que vão desde os pequenos Vales de Inovação, passando pelos programas nacionais ou regionais de Competitividade e Internacionalização e indo até Linhas de Investimento através de Business Angels e Fundos de Capital de Risco.

Praticamente todos estes apoios são enquadrados no âmbito de apoios da União Europeia, organizados em ‘Programas’ como o atual PT2020, pelo qual Portugal vai receber 25 mil milhões de Euros entre 2014-2020 (o anterior programa, QREN, teve uma dotação da EU de 21,5 mil milhões de Euros no período 2007-2013).

Ao longo dos vários anos em que este tipo de apoios existe, para além de todos os benefícios que os mesmos inevitavelmente criam, há também aspetos menos positivos.

A quantidade dos montantes envolvidos cria naturalmente um incentivo para práticas de apropriação indevida (ou fraude, caso queiram uma palavra mais forte). Entre outros epifenómenos constata-se uma certa ‘profissionalização’, por parte de alguns atores (beneficiários diretos ou indiretos), na captação e usufruto indevido destes incentivos.

Em minha perspetiva este tipo de práticas enquadra-se perfeitamente na definição de Fraude. Não conheço dados públicos que qualifiquem ou quantifiquem este fenómeno em Portugal.

É certo que o processo de atribuição destes incentivos é complexo (em minha opinião demasiado) o que, em teoria, diminuiria o incentivo para entidades menos bem-intencionadas tentarem a sua sorte. No entanto a lógica da complexidade é errada, pois premeia precisamente quem ‘apanhe o jeito’ do ‘candidaturês’ (como já ouvi muitas vezes denominar) e transforme um exercício (captação de incentivos) que deveria ser pontual e para um fim específico muitas vezes no principal objetivo do ponto de vista de negócio da sua empresa ao longo dos anos.

Já na parte de acompanhamento e monitorização dos projetos os gestores destes programas têm montado um processo complexo e pesado (que onera injustamente as empresas com burocracia processual e documental excessiva) que não previne práticas menos correta. O princípio é o mesmo das candidaturas e seleção de projetos: mais complexidade leva a mais profissionalização das más práticas. O prevaricador vai ter mais cuidado com a ‘papelada’ que aquele que está a tentar utilizar os incentivos para efetivamente melhorar a sua empresa. É uma questão de prioridades!

Este contexto menos positivo alicerça-se ainda em alguns traços ‘culturais’ muito próprios de Portugal:

  • Excessivo peso do Estado no setor empresarial, direta ou indiretamente, muitas vezes com fenómenos de dependência e instrumentalização mútua, que limitam inevitavelmente o potencial de aumento de competitividade devido a uma distorção dos objetivos empresariais:
  • Falta de cultura de avaliação de resultados (sobretudo quantitativa), sendo que este tipo de medidas de incentivos são largamente publicitadas aquando do seu lançamento (visto terem óbvios rendimentos do ponto de vista mediático e político), mas pecam pela falta de medidas concretas e efetivas de aferição dos resultados conseguidos. Os resultados apresentados são-no sobretudo através de indicadores com pouco significado concreto, tais como ‘taxa de execução’ (ou seja, gastou-se o dinheiro todo ou não) ou ‘número de empresas apoiadas’, suportando mais uma vez objetivos sobretudo relacionados com a mediatização e dividendos políticos. Esta prática de não-avaliação ofuscada por mediatismo torna difícil aferir o retorno concreto destas medidas, e, talvez mais gravosamente, perpetua uma cultura de gestão destes incentivos públicos que, na melhor das hipóteses, não incentiva boas práticas empresariais, e na pior estimula o aparecimento de fenómenos de corrupção e fraude;
  • A par do ponto anterior, há um tópico que em Portugal não costuma ter a melhor classificação: a transparência. É, regra geral, difícil ter acesso a informação sobre estes (e outros) temas no nosso país, mesmo que esta exista, o que dificulta uma avaliação alargada dos próprios processos de incentivo estatal às empresas (e respetivos resultados) por parte da sociedade como um todo (incluindo a imprensa). Por sua vez esta dificuldade na obtenção transparente de informação retira a necessidade de ‘accountability’ (tradução não exata para português é ‘prestar conta’) por parte de todos os atores envolvidos. Para clarificar, eu entendo por ‘transparência’ não só a existência e possível acesso à informação existente, mas sobretudo tal ser simples e fácil. É muito, muito, fácil ‘esconder’ informação em plena vista.

Sendo eu um otimista em relação ao futuro (vale a pena ser pessimista?) acredito que é sempre possível melhorar. E acredito que os incentivos estatais à atividade empresarial podem ter um papel relevante na melhoria da competitividade e resultados das nossas empresas, desde que não se transformem os incentivos eles próprios no modelo de negócio das empresas, e desde que estes incentivos sirvam efetivamente para o fim para o qual foram desenhados e implementados.

Partindo do que escrevo acima, não me debruçarei sobre a questão da otimização dos processos operacionais e burocráticos de atribuição, execução e monitorização dos programas de incentivos. Julgo que aqui a regra deve ser ‘simplificar com rigor e responsabilização’. Sobre o excessivo peso do Estado considero ser um problema demasiado estrutural, vasto e complexo para me arrogar a sugestões menos pensadas.

No entanto sobre as questões siamesas de Avaliação e Transparência ouso deixar uma sugestão concreta de melhoria: a criação de um Observatório Independente de Incentivos Públicos (a empresas) com as seguintes linhas de atuação:

  • Criação e manutenção de uma Base de Dados (pública) sobre Incentivos Públicos Empresas (o mais alargada possível), incluindo a recolha e tratamento de informação de várias fontes e respetiva disponibilização ao público em geral. Esta Base de Dados teria dados sobre os programas, candidaturas, atribuições, execuções, dados das empresas ao longo do tempo (para análises evolutivas) e, sobretudo, dados das várias entidades envolvidas nestes processos e respetivasrelações (pessoais, profissionais, transações, compras, vendas, etc) entre si;
  • Elaboração de relatórios periódicos sobre este tema, numa lógica de promoção de Transparência e de Avaliação independente, com informação não só sobre execução mas com especial enfoque nos resultados;
  • Suporte à elaboração de estudos e análises (académicos ou outros) sobre esta temática, promovendo a criação de conhecimento útil. A base de dados existente deverá ser usada para se promover a constituição de uma prática regular de produção de trabalho científico com base neste Observatório.

 Este Observatório deveria ser gerido por personalidades independentes, e ter uma estrutura e autonomia próprias, não dependente de forma nenhuma de qualquer entidade pública ou empresarial. Seria fundamental a ligação à Universidade, bem como a definição clara do seu mandato perante o público.

Este tipo de estruturas de Observatório (ou similares) pode ter um papel muito importante na promoção da transparência e cultura de avaliação, sobretudo através da credibilização progressiva da informação que vai chegando ao público. Não havendo nunca a expectativa de uma entidade como esta produzir um ‘milagre’ e mudar subitamente um caldo cultural muito antigo, é nosso dever melhorar, sempre.

Cada apoio, cada incentivo que vai para mãos e fins errados é não só um incentivo que não vai para quem melhor uso dele faria: é também mais um incentivo para que quem prevarica ou usa levianamente estes meios e recursos o volte a fazer, uma e outra e outra vez.