Aurora Teixeira, Visão online,

No Brasil o ‘tempo de discernimento’ caducou, o verniz estalou, a putrefação tornou-se viral!

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A ‘putrefação envernizada’… estas palavras não são minhas. Foram proferidas, a propósito da corrupção, por alguém que veio “quase [d]o fim do mundo” e que, citando o Evangelho de São Lucas (Novo Testamento), sentenciou que se deveria amarrar uma rocha ao pescoço dos corruptos e lançá-los no mar. Quem disse isto?

Nem mais nem menos que Jorge Mario Bergoglio, ou (desde março de 2013) Francisco, o primeiro jesuíta eleito Papa.

Pois bem, nem mesmo um homem de Deus mostra clemência pelos corruptos. Incisivo, este ‘fuzileiro’(2) de Deus descreveu as pessoas envolvidas na corrupção como “túmulos caiados… belos por fora, mas por dentro cheio de ossos mortos e putrefação”. Melhor que ninguém o Papa sabe do que fala.

Tem sido sobejamente (re)conhecida a sua cruzada no seio do Vaticano em prol da transparência: pela primeira vez na história da Igreja Católica (em outubro de 2016) foi divulgado o relatório anual da auditoria às contas da Santa Sé que revelou lucros do Banco do Vaticano na ordem dos 87 milhões de euros. Pode parecer coisa pouca, mas não é… O Banco do Vaticano ‘granjeou’, ao longo dos anos, reputação como o principal destino de lavagem de dinheiro da Itália central, com escândalos aterradores arrastando o nome do Vaticano literalmente para a lama.(3)

Muitas dúvidas subsistem quanto à capacidade do Papa Francisco de reformar e revolucionar o Vaticano e o seu modus operandi. As burocracias e as práticas associadas à corrupção mudam lentamente e as italianas ‘mui mui pian piano’. Como admite o Papa, algo resignado, “precisamos de tempo para lançar as bases para uma mudança real e efetiva… é o tempo de discernimento.”

No Brasil o ‘tempo de discernimento’ caducou, o verniz estalou, a putrefação tornou-se viral! Os escândalos de corrupção sucedem-se a um ritmo vertiginoso, de tal forma que dificilmente sobrará algum político no ativo que possa assumir a presidência desta nobre, mas fatídica, nação.

Fica aqui um excerto da poesia de Caetano Veloso de há 33 anos plena de atualidade:

“Será que nunca faremos senão confirmar
Na incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que essa minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir
Por mais zil anos”
(…)
Enquanto os homens
Exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome
De raiva e de sede
São tantas vezes
Gestos naturais”

 

Notas:

(1) Discurso, a 13 de março de 2013, do cardeal Jorge Mario Bergoglio, aquando da sua eleição como 266º Papa da Igreja Católica.

(2) Em virtude da história militar e missões por todo mundo de Santo Inácio de Loyola, o fundador da Ordem dos Jesuítas, estes são por vezes designados de "fuzileiros de Deus".

(3) Ver https://www.theguardian.com/business/2003/dec/07/italy.theobserver