Ana Clara Borrego, Jornal i online

“Por vezes, o incumprimento das obrigações fiscais resulta de estruturas e mecanismos administrativos demasiado pesados e onerosos para os contribuintes.”

Tentei resistir a escrever sobre IRS, mas, os leitores que me desculpem, não me contive. Vou fugir ao cliché de dar dicas sobre como fazer o IRS, ou de alertar para as alterações, prazos e afins. Vou, sim, escrever sobre a complexidade, cada vez maior, de um processo que tem sido “vendido” aos contribuintes como um processo de simplificação fiscal, quando não o é.

O sistema actualmente instituído de entrega da declaração do IRS via internet resulta daquilo que, bem utilizado, seria, neste contexto, a tempestade perfeita: a integração da panóplia de informação pertinente para efeitos de IRS recebida pela AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, num sistema de cumprimento de obrigações fiscais desmaterializado - naquilo que se consubstancia nas declarações de IRS pré-preenchidas e, pela primeira vez, para alguns contribuintes, na DAR – Declaração Automática de Rendimentos.

Até este ponto, aparentemente teríamos atingido um sistema perto da perfeição, em que o contribuinte encontraria a sua declaração desmaterializada pré-preenchida, sem carecer de documentação física, só com a necessitar de dar um ok para a submeter. Nada mais ilusório…

Em primeiro lugar, porque, devido à ligação do IRS ao e-fatura, para ser possível atingir o pré-preenchimento correcto dos encargos, o contribuinte necessita passar o cabo das tormentas, com prazos distintos para validação/introdução e reclamação.

Em segundo lugar, chegado o período de entrega da declaração, vem a falsa ilusão, para muitos contribuintes, de que só mesmo um ok os separa de, finalmente, terem a sua declaração de IRS entregue e correcta. Nesta fase, muitos contribuintes começam por cometer o erro de excesso de confiança em relação ao conteúdo da declaração pré-preenchida, até porque, e este é o pior logro em que caem muitos contribuintes, existe para muitos uma convicção errónea de que, ainda que existam erros/omissões, a responsabilidade pelos valores declarados, bem como pelo que possa estar omisso, é de quem procedeu ao preenchimento, ou seja, seria do «fisco» e não sua (dos contribuintes).

Deixem-me esclarecer que nem tudo está em conformidade nas declarações de IRS pré-preenchidas, as quais, por vezes contêm erros/omissões quer nos rendimentos, quer nos encargos. Acresce que os erros/omissões nelas constantes, incluindo nas próprias DAR, passam a ser da responsabilidade dos contribuintes quando estes as submetem, processo que pressupõe que os contribuintes estão a atestar a veracidade do seu conteúdo, fazendo recair sobre si próprios a responsabilidade de erros/omissões cometidos pela AT no pré-preenchimento, que os contribuintes não tenham corrigido antes de submeter a declaração.

Antes de exemplificar alguns erros comuns no pré-preenchimento, falemos de penalizações, pois é a pergunta que se impõe neste momento: caso a declaração submetida contenha erros e/ou omissões, que venham a ser detectados a posteriori há penalizações? Claro que há e podem ser bastante pesadas! Nas situações mais simples, isto é, aquelas em que os erros/omissões não se consubstanciem em fraude fiscal, nem em falsificação, viciação e alteração de documentos fiscalmente relevantes, a coima vai de € 150 a € 3.750, no caso das DAR, e de € 375 a € 22.500, nos restantes casos de declarações pré-preenchidas (Art.º 119º do RGIT).

Quanto a erros/omissões comuns no pré-preenchimento que envolvem os rendimentos, posso apontar, a título de exemplo, a não inclusão dos actos isolados e problemas em relação aos rendimentos obtidos no estrangeiro, entre muitos outros erros e/ou omissões.

Para finalizar, algumas reflexões...

Submeter o IRS, no modelo actual, não é um processo simples, não deve, pois, ser feito «de ânimo leve», pois pode sair muito caro aos contribuintes, até mesmo no caso das DAR, não obstante, neste último caso, a perda potencial (valor da coima), em caso de detecção a posteriori de erros/omissões não rectificadas pelos contribuintes ser substancialmente menor.

Para finalizar, importa fazer aqui um parêntese para justificar a fonte da complexidade fiscal associada a todo este processo: o “casamento” do e-fatura e do e-arrendamento com o IRS, não são, na sua génese, mecanismos de simplificação fiscal, mas sim de combate à «fuga ao fisco», quer por filtragem dos encargos que os contribuintes vão deduzir no IRS, quer por detecção das empresas que não comunicaram no todo, ou em parte, facturas que emitiram aos clientes. Acresce, também, como objectivo, na perspectiva do rendimento dos contribuintes, trazer para a tributação o máximo de rendimentos do conhecimento da AT, de forma a evitar esquecimentos ou omissões intencionais.

Não obstante estes processos estarem a ser transmitidos aos contribuintes como simplificação fiscal, nomeadamente a DAR, a qual surge no contexto do Simplex+, na verdade, tal como já referi, não o são. Surge, assim, neste caso, o objectivo do combate à fraude e evasão fiscal a sobrepor-se ao objectivo de simplificação do sistema fiscal.

Uma questão se impõe então colocar: num contexto em que é comummente aceite que a excessiva complexidade fiscal, nomeadamente dos mecanismos criados para evitar a fuga dos contribuintes, quando se torna excessivamente grande é em si própria propiciadora do aumento dos níveis de incumprimento fiscal, quer voluntário, quer na sua vertente inadvertida, esta excessiva complexidade que se vai associando, ano após ano, à entrega da declaração do IRS, não estará a atingir o nível em que se torna contraproducente, aumentando o incumprimento fiscal, em vez de o diminuir?
Termino com uma citação de um relatório da própria AT, denominado Plano Estratégico de Combate à Fraude e Evasão Fiscal (2015-2017) “Por vezes, o incumprimento das obrigações fiscais resulta de estruturas e mecanismos administrativos demasiado pesados e onerosos para os contribuintes.”