Ana Clara Borrego, Visão online,

 

Portugal, a par com o excelente clima, sol, paisagens e gastronomia, oferece aos estrangeiros que pretendam fixar-se em Portugal um estatuto de residentes não habituais (RNH) muito vantajoso, principalmente no que concerne aos pensionistas, valendo-lhe o estatuto de “paraíso fiscal para reformados”.

Todavia, este estatuto dos RNH Português que agrada aos beneficiários, ou possíveis beneficiários, tem vindo a afrontar os governantes dos seus países de origem, gerando problemas nas relações internacionais de Portugal com vários países, os quais começam a procurar estratégias para travar a concorrência fiscal Portuguesa e, consequentemente, a emigração daqueles países, principalmente de reformados, rumo a Portugal.

Importa, pois, em traços gerais, compreender as vantagens deste regime para quem aufere pensões, para compreender a indignação dos governos dos países mais visados com esta medida fiscal portuguesa.

O estatuto de RNH português foi criado em 2009, mas foram as alterações que lhe foram introduzidas em 2013 que provocaram o grande interesse de pensionistas estrangeiros pelo mesmo, uma vez que aquelas alterações vieram dirimir quaisquer dúvidas que existissem quanto à possível isenção total dos rendimentos de pensões.

Assim, os pensionistas que transfiram a sua residência para Portugal, para usufruírem do estatuto de RNH durante 10 anos, carecem de cumprir uma das seguintes condições: as pensões não serem consideradas um rendimento auferido em Portugal, ou as pensões auferidas serem tributáveis no país da fonte (i.e., da origem do rendimento) de acordo com o previsto nos Acordos para Evitar a Dupla Tributação [ADT].

Todavia – e é neste ponto que o estatuto se mostra interessante na pespectiva fiscal dos pensionistas – adicionalmente, se o ADT celebrado entre o país pagador da pensão e Portugal definir que o país de origem da pensão não a pode tributar (situação que é muito comum neste tipo de Acordos), resulta assim, numa dupla não-tributação, i.e., nesses casos as pensões dos RNH não são tributadas de todo, nem em Portugal, nem no país de origem do rendimento. Ou seja, durante 10 anos, estes pensionistas gozam de uma isenção total dos seus rendimentos.

No final de 2016 eram já 10.684 os estrangeiros a residirem em Portugal abrangidos por este estatuto, os quais, na sua maioria são reformados, mormente franceses, suecos e finlandeses, mas também, em menor número, britânicos, espanhóis, alemães, italianos, holandeses, brasileiros e até tunisinos, que são atraídos para Portugal por um regime fiscal mais favorável do que o dos seus países de origem.

Importa pois saber o que Portugal ganha e o que os outros países perdem para compreender a preocupação dos países envolvidos.

Não obstante este benefício fiscal, concedido por Portugal aos estrangeiros com o estatuto de RNH, poder ser questionável numa perspectiva de equidade e justiça fiscal, e à primeira vista não trazer benefícios para Portugal, na verdade, não obstante conceder uma isenção em IRS, o Estado português recupera esse benefício na tributação sobre o consumo, bem como no IMI e no IMT cobrados – valores que só com a atracção destes “turistas permanentes” para o território nacional é possível cobrar.

Os países de origem dos RNH deixam, por um lado de cobrar os impostos que o Estado português passa a arrecadar, ou seja aqueles que estão relaccionados com o consumo, por outro lado, estão impedidos, por força das convenções, de aplicar a tributação sobre o rendimento às pensões cuja origem se encontra no seu país, i.e., a emigração destes pensionistas representa para os seus países de origem uma total perda de receita fiscal.

O primeiro país a insurgir-se contra o estatuto dos RNH português e a reagir, negativamente, foi a Finlândia, pese embora não seja o país com maior número de RNH em Portugal.

O governo português, pressionado pelo governo Finlandês, com a ameaça de por termo ao ADT firmado pelas partes em 1970, aceitou um novo acordo que, tudo indica entrará em vigor em 2018, permitindo à Autoridade Tributária Finlandesa tributar as pensões daqueles que estão a residir em Portugal com estatuto de RNH e recebem pensões com origem na Finlândia.

Caberá aos finlandeses, que possuem em Portugal aquele estatuto, decidir se o sol do Algarve, onde a maioria se tem instalado, já os cativou de tal forma que continuarão a residir em Portugal, não obstante sem os benefícios fiscais que equacionavam usufruir, ou se regressam à Finlândia, naquilo que denominei, em tom de brincadeira, por «O acórdão 06685/13, proferido no Tribunal Central Administrativo Sul em oito de outubro de 2015 refere que “nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal prevista no artigo 19.º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento dos pressupostos de “habitação permanente”. Algarvexit».

Para finalizar, não posso deixar de levantar algumas questões de extrema importância:

  • Depois de aberto este precedente, o que acontecerá em relação aos restantes estrangeiros com aquele estatuto em Portugal? Noticia-se que outros países, que se sentem afrontados com a concorrência fiscal portuguesa, como a Suécia, a Holanda e a Espanha, estudam soluções para a refrear. E quanto aos franceses, que representam o maior número de pedidos de estatuto de RNH em Portugal, os quais nos últimos anos têm “invadido” a capital, serão os franceses os senhores que se seguem na perda dos benefícios fiscais inerentes ao estatuto?
  • Que imagem de credibilidade passa o Estado português, internacionalmente, quando programa benefícios fiscais a 10 anos, incentiva as pessoas a fixarem-se em Portugal, onde alguns fizeram, inclusivamente, investimentos imobiliários, nessa perspectiva de permanência de longo prazo e, depois de pressionado, muda as regras a meio do jogo? Não será este recuo, perante a pressão finlandesa, o princípio do fim do estatuto dos RNH em Portugal?