Paulo Vasconcelos & José Matos, Visão online,

 

Uma proporcionalidade direta entre o número de mandatos e o número de eleitores de cada círculo seria mais ajuizado.

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Factualmente podemos dizer que nas eleições legislativas de 2015 foram precisos 50.623 votos para um deputado ser eleito pelo círculo de Portalegre. Também podemos afirmar que em Setúbal esse número foi de 40.321. Mas então o que se passa? Porquê mais de 10.000 votos de diferença? Um Portalegrense valerá menos do que um Setubalense? Já agora, no Porto foram precisos mais 360 votos por deputado eleito do que em Lisboa; Portuenses e Lisboetas também não têm igual peso na constituição da Assembleia da República.

Mas então o que se passa?

Os Deputados para a A.R. são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei. E o sistema eleitoral em Portugal é um sistema de dupla proporcionalidade, sendo o método (da média mais alta) de Hondt aplicado na distribuição dos mandatos (i) quer pelos círculos (ii) quer pelas listas dentro de cada círculo.

O Artigo 149.º da Constituição da República Portuguesa sobre círculos eleitorais impõe, no seu número 1, que os “Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, …, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos”. Mas na distribuição de mandatos por círculos, o mesmo Artigo 149.º, número 2, impõe que o número de Deputados por cada círculo seja proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos. Ora o que se está a fazer é interpretar esta proporcionalidade com a aplicação de novo do método de Hondt, quando a Lei fundamental a isso não obriga.

Uma proporcionalidade direta entre o número de mandatos e o número de eleitores de cada círculo seria mais ajuizado. No caso das eleições de 2015, esta alteração resultaria na redução de 1 mandato em cada um dos círculos de Lisboa, Porto e Setúbal e no aumento de 1 mandato nos círculos dos Açores, Bragança e Vila Real.

Se para efeitos de favorecimento de maiorias as listas com mais votos possam ser beneficiadas, tal não faz sentido quando se fixam mandatos por círculo. Os círculos com menor número de eleitores têm menor proporcionalidade direta no todo nacional, mas não podem ser penalizados por isso. Ora essa penalização está a ser-lhes imposta pelo uso do método de Hondt na afetação de mandatos por círculo. Portanto os círculos do interior perdem mandatos para os do litoral. O método de Hondt foi desenvolvido para converter votos em mandatos, não eleitores em mandatos.

Outra análise aos resultados de 2015 revela que a coligação PàF elegeu um deputado por cada 19.917 votos ao passo que o PAN necessitou de 74 656 votos! Complementarmente, existiram 5 listas, cada uma com mais de 22 mil votos, e que não elegeram qualquer deputado. Cerca de 10% dos votos (509 467 num total de 5 175 499) do território nacional não elegeram qualquer deputado.

Para minimizar este enviesamento e desperdício de votos, à semelhança do que está estabelecido na Eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, deveria existir um círculo nacional de compensação que acomodaria os votos numa única série de quocientes, contrapesando a desproporção número de votos -- eleitos. Na tabela que se segue, apresentam-se duas simulações sobre os resultados de 2015 considerando um círculo nacional de 11 e 22 deputados (respetivamente cerca de 5% e 10% do total de 226 mandatos).

 

Resultados
2015

Círculo Nacional
11 deputados

Círculo Nacional
22 deputados

Lista

nº Votos
(V)

nº Deputados
(D)

V/D

D

V/D

D

V/D

PáF

2.071.376 104 19.917 100 20.714 94 22.036

PS

1.740.300 85 20.474 81 21.485 78

22.029

BE

549.153 19 28.903 21 26.150 24

22.881

CDU

444.319 17 26.136 16 27.770 20 22.216

PAN

74.656

1 74.656 2 37.328 3 24.885

PDR

60.912 0 2 30.456 2

30.456

PCTP/MRPP 59.812 0 2 29.906 2

29.906

LIVRE

38.958 0 1 38.958 1 38.958
PNR 27.104 0 1 27.104 1

27.104

MPT

22.384 0 0 1

22.384

Facilmente se verifica que com uma correção deste tipo se cumpriria com o sistema de representação proporcional, nos termos consagrados na Constituição da República Portuguesa.