Nuno Guita, Visão online,

 

O continente africano foi, desde sempre, uma terra de grandes oportunidades. Porém, no contexto actual, comporta, para investidores internacionais e empresas estrangeiras, riscos de incumprimento significativos.

...

Da mesma forma que nas últimas três décadas se foram deslocalizando para a Ásia operações de baixo custo dos Estados-Membros da OCDE, estão agora a aumentar os incentivos para as empresas desses países externalizarem trabalho para África. Tal deve-se, em larga medida, ao crescimento do PIB per capita na China e noutros países asiáticos, assim como, ao proporcional aumento de salários. África tornar-se-á, assim, a última região de baixos salários, no mundo. Contudo, é necessário que as oportunidades de investimento, únicas desta região, sejam compreendidas no contexto de desafios igualmente únicos.

 

Mitos e falsificações

Muitos são os erros de percepção quanto aos fenómenos da, corrupção, fraude, Ética e Compliance em África. Estes tornaram-se ideias comuns que é absolutamente é necessário desmistificar.

Em primeiro lugar, a ideia da ética como elemento cultural distintivo de eficiência económica é uma ilusão. Para tal, contribuiu a muito difundida “ética protestante” de Max Weber (Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus, 1904), que nos sugere o protestantismo com influência Calvinista como produtor de condições sociais mais éticas que outros contextos e, por isso, economicamente mais eficiente. Sobretudo o catolicismo é, por vezes, referido como menos rigoroso e, por isso, economicamente menos eficiente. Ora, na Alemanha existem 16 estados federais com condições idênticas, mas eficiência económica muito díspar. Estranhe-se, pois, que a Baviera e a Bade-Vurtemberga, os dois estados mais católicos (quiçá, até do que o próprio vaticano), são também os mais ricos com um PIB/per capita de 43mil EUR respectivamente. Enquanto isso, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental e Saxônia-Anhalt, dois estados protestantes com um PIB/per capita de 26mil EUR e 25mil EUR, respectivamente, são também os dois estados economicamente menos eficientes -  inclusivamente, menos do que Portugal.

Uma outra falsificação resulta da percepção reflexiva do desenvolvimento económico e social a partir da Ética ou corrupção. Há mais Fraude e corrupção em Londres ou em Lagos/Nigéria? Em Lisboa ou em Bissau? Sugiro, pois, haver na Guiné-Bissau um maior número relativo de solicitações/ofertas de práticas corruptíveis, corruptoras e fraudulentas (de baixo valor), mas haverá, seguramente, muito menos volume e valor de actos de suborno e fraudulentos do que em França,  na Alemanha ou, sobretudo, em Inglaterra. Muitos são os estudos que apontam para uma estreita relação entre eficiência económica, bem-estar social, ética e baixos níveis de corrupção. Mas, uma leitura errada e abusiva conduz a uma arrogância dos mais ricos, disfarçada de superioridade ética completamente infundada. As inconsistências entre valores quantitativos e índices de perceção demonstram-no.

Vejamos dois índices de corrupção, contrapondo a percepção (Transparência Internacional) ao risco (TRACE/ RAND Corporation). O Índice de Percepção de Corrupção (IPC), criado em 1995 pela Transparency International - em que os países são ordenados pelo "grau em que a corrupção é percebida existir" - classifica 176 países. A Guiné Bissau surge em 168º lugar, seguindo uma tendência descendente nos últimos anos, numa lista liderada pelos países do norte da Europa. Portugal aparece em 29º lugar, dezanove lugares atrás da Alemanha - em 10º lugar.

 

Ranking IPC - percepção: Ranking TRACE – risco ponderado:
1º.- Dinamarca8º.- Holanda10º.- Alemanha

29º.- Portugal

87º.- Zâmbia (meio da tabela)

166º.- Iraque

166º.- Venezuela

168º.- Guiné Bissau

169.º- Afeganistão

176º.- Somália

7º.- Holanda10º.- Dinamarca23º.- Portugal

24º.- Alemanha

84º.- Zâmbia

138º.- Guiné Bissau

147º.- Somália

168º.- Iraque

176.º- Afeganistão

187º.- Venezuela

 

 

Enquanto isso, o relatório de Risco de corrupção, elaborado pela TRACE/RAND Corporation, interpreta informações dos países relativos a riscos de corrupção através da ponderação de 4 factores (interações de negócios com o Governo; legislação anti-corrupção e sua aplicação; transparência do Governo e da função pública; capacidade de supervisão da Sociedade Civil). Neste relatório a Guiné-Bissau  encontra-se em 138º lugar (à frente de Moçambique e Angola), enquanto Portugal surge em 23º, à frente da Alemanha em 24º.

 

Índice de riscos de Corrupção ponderados

Rank País Risco totalponderado Domínio 1 Domínio 2 Domínio 3 Domínio 4
134 Trinidad e Tobago 67 73 38 59 33
135 Djibuti 67 53 37 67 78
136 Madagáscar 67 66 40 68 60
137 Mongólia 68 76 29 45 44
138 Guiné-Bissau 68 66 36 64 69
139 Santa Lúcia 68 75 36 56 34
140 Burkina Faso 68 61 37 77 62
141 Argentina 69 83 15 35 23
142 Suazilândia 69 63 36 70 72
143 Moçambique 70 70 39 67 63
196 Guiné 92 98 42 72 74
197 Yemen 93 86 100 85 100
198 Angola 96 100 67 90 77
199 Nigéria 97 98 33 100 60

 

Pode-se inferir que a correlação entre corrupção e desempenho económico é diferente da sugerida pela TI. Não obstante, tal não desvaloriza a gravidade do seu impacto numa sociedade economicamente muito frágil. Ainda assim, relativiza a análise de factores e sugere oportunidades de gestão de risco aplicadas aos sistemas racionais e de incentivos, sejam eles organizacionais ou públicos.

 

Corrupção em África

As organizações ou sociedades africanas, que tenham a pretensão de ser bem-sucedidas a longo prazo, precisam de desenvolver uma cultura de integridade e ter em conta as necessidades e expectativas não só dos parceiros económicos, mas também das suas populações, com quem aqueles estejam interessados em interagir.

A integridade e o Compliance são, portanto, uma oportunidade para uma sociedade, um estado ou até uma organização serem bem-sucedidos e sustentáveis. A aplicação dos valores fundamentais e padrões de governação éticos e socialmente aceites pode depender mais da liderança para o cumprimento das regras do que destas em si mesmas. O princípio da legalidade apenas institui o comando do primado do direito e das regras, mas nada nos diz sobre a sua prática, nem sobre a sua aplicação num contexto dinâmico que se quer construtivo e não conflitual. O direito é um instrumento de regulação de conflitos e não de optimização de meios, recursos e oportunidades. Para tal, tornam-se necessários um sistema, um plano e uma gestão contínuos de Compliance ou cumprimento, como sugerido pela ISO19600 de 2014. A abordagem bélica do combate à corrupção, mais alinhada com conceitos de luta assentes num pensamento marxista, não parece adequada a este fim. Enquanto isso, o paradigma da sociedade do Risco Risco (Ulrich Beck), igualmente socialista, sugere-nos uma preocupação com a distribuição de Riscos e Benefícios – o que para os esforços anticorrupção parece bastante mais útil.

A corrupção e a fraude são factores de risco associados ao investimento em África, com importantes consequências para a inibição do potencial crescimento económico. Contudo, o comportamento ético não é como uma mercadoria, nem um objetivo a ser cumprido num determinado momento, mas sim, uma condição social sustentável e, por isso, dinâmica! Assim, devemos identificar e procurar mitigar riscos numa abordagem igualmente dinâmica, gerindo a sua evolução e corrigindo comportamentos cujos desvios se devem a uma deficiente cultura ética - sobretudo de quadros superiores e líderes políticos. Alinhar uma cultura ética e incorporá-la nas respetivas atividades requer iniciativa e liderança em vez de apatia e seguidismo.

Áreas e fatores de risco de corrupção em África.

Recorde-se que, historicamente, a corrupção em África foi, desde cedo, um modelo de interacção entre os povos africanos e europeus e, para estes, um modelo de concorrência, expansionista e, posteriormente, colonial. Subornar pessoas de confiança para destas obter vantagens ou influência em África foi um modelo de negócio aceitável até aos anos 90 do sec. XX, inclusive com benefícios fiscais (por. ex.: na Alemanha).

Porém, mesmo não se distinguindo a corrupção na Alemanha, Portugal e na Guiné-Bissau, na censura social encontram-se, ainda, muitas diferenças - o que decorrendo da auto-percepção, acaba,também, por determiná-la. A gestão dos riscos de corrupção passa por incorporar a ética na cultura comunitária, organizacional ou funcional. Assim, as pessoas poderão agir eticamente, independentemente das circunstâncias. Esta descolonização ainda está por fazer!

Quando observamos a realidade económica em África destacam-se algumas áreas de risco:

  • uma economia, em grande medida, baseada em numerário;
  • uma dependência significativa de intermediários locais, agentes e terceiros para a concretização de negócios com o exterior;
  • uma perceção de insegurança por parte dos investidores (o que promove pagamentos e recebimentos indevidos);
  • solicitações directas por funcionários, promovidas pela pobreza generalizada.

Com base nas teorias da escolha racional e das atividades rotineiras da criminologia, é de agir concretamente sobre os factores de oportunidade, pressão e racionalização da corrupção, influenciando, assim, os sistemas de incentivos e os processos, por forma a mitigar riscos e corrigir os comportamentos.

Por outro lado, para os próprios agentes económicos e investidores, aderir a certas práticas recomendadas pode mitigar riscos de corrupção, levando a um verdadeiro aproveitamento das oportunidades de negócio existentes. Estas práticas recomendadas não se esgotam, mas incluem:

  • Assessoria jurídica competente e confiável para confirmar a legalidade de taxas ou encargos questionáveis e os métodos de pagamento permitidos;
  • Obter recibos para todas as despesas e verificar as taxas publicadas. Quando não existem recibos disponíveis para taxas legalmente autorizadas, procurar criar, juntamente com o prestador do serviço, um documento válido (com assinaturas oficiais apropriadas) para quaisquer pagamentos feitos;
  • Evitar pagamentos em dinheiro, promovendo uma utilização consolidada do sistema bancário no sector do estado e na economia, de um modo geral;
  • Controlar o uso de numerário regularmente; atribuir responsabilidades nominais individuais de verificação e questionar hábitos pouco claros;
  • Auditar periódica e eficazmente a contabilidade para sinalizar quantidades ou descrições de transações ímpares;
  • Investir na formação para o pessoal em matéria anti-corrupção. As organizações melhor sucedidas são as que recrutam e formam pessoas que não aceitam “que o suborno é próprio de fazer negócios em África" e que não presumem que os pagamentos indevidos são necessários;
  • Desenvolver e alavancar bons recursos de conformidade e garantir uma rotatividade;
  • Quando confrontados com subornos recorrentes, instalar um sistema de denúncia e envolver o conjunto da sociedade e funcionários para pressionar a cessação de tais comportamentos impróprios. O envolvimento de mais pessoas desta forma alavanca o sentido crítico e as vozes coletivas, reduz o risco de retaliação contra indivíduos e aumenta a probabilidade de altos funcionários intervirem para impedir o suborno dos subordinados;
  • Reforçar a supervisão de interacção em áreas de risco acrescido (por exemplo, serviços aduaneiros e relacionados com a imigração);
  • Publicitar as taxas dos serviços públicos e eliminar ou reduzir as excessivas ou incomuns;
  • Realizar uma revisão anual da eficácia das políticas e procedimentos anticorrupção;

Na prática, o que importa é que as pessoas de uma determinada organização, pública ou privada (um restaurante, um tribunal, um banco, um hospital, um município, o próprio governo, etc...), mantenham, efetivamente, um comportamento ético adequado e alinhado.

O Compromisso demonstrado na promoção da conformidade confere uma vantagem competitiva crescente a qualquer operador de negócios, sobretudo, em África. Apesar dos riscos de corrupção, o continente africano oferece, oportunidades substanciais às empresas que, efetivamente, identifiquem e giram esses riscos, promovendo influenciando, de forma positiva, e  o crescimento económico do último continente por desenvolver.