Antonio Gomes Dias, Visão online,

 

As regras de tributação internacional, muitas das quais com origem em princípios estabelecidos pela Liga das Nações na década de 1920, foram desenhadas perante um contexto económico totalmente diferente do que vivemos.

...

Nos últimos anos, conceitos como “planeamento fiscal abusivo”, “deslocalização de lucros” e “erosão da base tributária”, têm vindo a ser discutidos em diversos fóruns internacionais. Em paralelo à crise financeira global, na origem destas preocupações encontram-se escândalos empresariais, políticos e financeiros que de forma transversal têm vindo a ser detectados um pouco por todo o mundo.

Perante o aumento da influência das empresas, a sociedade espera dos seus administradores e órgãos de gestão maior transparência, sensibilidade, ética e responsabilidade. Porém, são vários os exemplos de que tal não acontece, sendo crescente a percepção de que as empresas tendem a usar esquemas de planeamento fiscal, nem sempre legais, que visam a transferência de lucros para localidades que oferecem um tratamento fiscal mais favorável, diminuindo assim o imposto que deveriam pagar.

Por seu lado, os responsáveis empresariais, numa perspectiva que considero ultrapassada e que advém do século passado, argumentam que o seu compromisso é com os detentores de capital e que o objectivo das empresas é maximizar o lucro. Parecem esquecer que as empresas também fazem parte da sociedade e como tal têm deveres de cidadania que se traduzem no conceito amplo de responsabilidade social empresarial. Contudo, num exercício comunicacional que apenas pretende promover a sua própria imagem, os mesmos gestores e administradores advogam o seu compromisso com a sociedade e com as populações dos mercados onde actuam.

As responsabilidades são partilhadas e embora sejam cada vez mais os governos que se assumem preocupados com estes temas, competem entre si na expectativa de atrair o investimento das grandes empresas e grupos económicos multinacionais. Desde a tributação a taxas cada vez mais reduzidas (ou mesmo total ausência de tributação efectiva), à concessão de isenções e benefícios fiscais, a competitividade ou concorrência fiscal entre estados é de tal forma real que são os próprios sistemas fiscais que promovem a erosão da base tributária e permitem a transferência de lucros.

As regras de tributação internacional, muitas das quais com origem em princípios estabelecidos pela Liga das Nações na década de 1920, foram desenhadas perante um contexto económico totalmente diferente do que vivemos. A liberalização da economia e os constantes avanços das tecnologias de informação e comunicação permite o desenvolvimento de novas realidades empresariais. Se no século passado entrar nos mercados internacionais era uma tarefa difícil e demorada, hoje está à distância de um “click” e é imediata. Da mesma maneira, desde a constituição formal das empresas à gestão dos seus fluxos comerciais e financeiros, todos os processos se encontram simplificados e em muitos casos nem necessitam da presença física de qualquer representante da empresa ou mesmo de formal presença tributável.

Na perspectiva de que compete às empresas tratar do seu negócio de forma eficiente e eficaz, naturalmente se compreende que na prossecução dos seus objectivos usem todos os mecanismos que estão ao seu alcance. A agilidade do mundo empresarial não é contemplativa.

Em oposição, embora seja competência dos governos a definição de políticas fiscais que visem melhorar a transparência e possibilitar a efectiva tributação dos rendimentos empresariais, as regras tributárias não acompanharam as mudanças nas práticas comerciais globais e revelam assimetrias que potenciam a fraude e a evasão fiscal. A inércia fiscal para além de contemplativa é complacente.

Num momento em que todos os governos tentam governar o “imediato”, o foco das alterações fiscais centra-se na captação de imposto que possa contribuir para as receitas do ano em causa. Porém, perante a constatação de que a erosão da base tributária por via da deslocalização de lucros constitui um grave risco à receita e à soberania do país, combater a evasão fiscal é fundamental para a equidade do sistema.

A política fiscal pode e deve contribuir para alcançar um crescimento sustentável, equilibrado e inclusivo, pelo que deve mobilizar recursos que permitam respostas adequadas aos esquemas de planeamento fiscal agressivo. Para o efeito, assim como as grandes empresas, também os governos têm que se rodear de especialistas nestas matérias para que possam determinar atempadamente as tentativas de evasão e promover as estratégias de curto e longo prazo necessárias ao combate destes fenómenos.

Não sendo esta crónica o espaço ideal para uma discussão mais aprofundada, resta referir que a ausência de resposta por parte dos Governos, para além de poder ser entendida como uma “cumplicidade silenciosa”, pode comprometer as receitas tributárias e a sustentabilidade económica no futuro.