Óscar Afonso, Visão online,

 

A Economia Não Registada, decorrente sobretudo de comportamentos marginais e desviantes, e não é medida pela contabilidade nacional. O seu peso, causas e consequências varia no espaço e no tempo.

...

Com a crónica de hoje resolvi recordar de novo a actualização do índice de Economia Não Registada (ENR) (paralela ou sombra) em Portugal, do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), para os anos de 2014 e 2015, cuja apresentação ocorreu no mês passado. Resolvi ainda dar conta de duas situações, aparentemente mais usuais do que se pensa, que podem ajudar a compreender o porquê da dimensão do indíce.

A ENR, decorrente sobretudo de comportamentos marginais e desviantes, e não é medida pela contabilidade nacional. O seu peso, causas e consequências varia no espaço e no tempo. Encontrar uma definição não é uma tarefa fácil, porque o fenómeno é complexo e está em constante mutação, e porque incorpora diversas actividades económicas – inclui a Economia Subdeclarada, a Ilegal, a Informal, o Autoconsumo e a Subcoberta por deficiências estatísticas. A Economia Subdeclarada, motivada por razões fiscais, visa evitar o pagamento de impostos e contribuições. A Economia Ilegal resulta de actividades ilícitas, pelos fins ou meios usados. Estas duas rúbricas reflectem a parte mais “negra” do bolo. A Economia Informal e o Auto-consumo incluem actividades económicas essencialmente associadas a estratégias de sobrevivência ou de de melhoria de condições de vida das famílias e servem de almofada social, nomeadamente em contextos recessivos.

Os estudos sobre a medida tendem a considerar apenas uma ou algumas das rúbricas, subestimando o objecto. Efectivamente, a definição considerada depende do propósito, da metodologia e da informação disponível, enfatizando-se sobretudo a Economia Subdeclarada. O OBEGEF tem dado conta do peso da ENR em Portugal e os últimos dados existentes, obtidos através de justificados e testados modelos estatísticos, referem-se ao período 1970-2015 e revelam uma tendência de aumento desde o início daquele período, passando a representar 27,29% do PIB oficial e correspondendo a 48.993 milhões de euros em 2015. Para ter uma ideia da grandeza do valor, recorde-se que suportaria, com folga, o orçamento do ministério da Saúde durante cinco anos e que teria servido para, com os impostos cobrados, eliminar folgadamente o deficit de 3,12% no PIB do Orçamento Geral do Estado desse ano. Muito estranhamente, o governo nem ligou ao assunto!

As principais causas explicativas são os impostos, contribuições para a segurança social e custos administrativos, a intensidade e complexidade de leis e regulamentos (burocracia), a falta de credibilidade de órgãos de soberania face à conduta de alguns representantes, a ineficiência da administração pública, a falta de transparência no atendimento público, as condições de mercado induzidas pela globalização, a carga de regulação e o desemprego. Como principais consequências salienta-se a distorção na concorrência entre empresas, a redução das receitas fiscais – logo a degradação das contas públicas e do investimento e, portanto, do crescimento e da redistribuição –, e a incerteza na estabilização da economia.

Há quem estranhe a dimensão do peso alcançado pela ENR, que, refira-se, está ainda subavaliado. Tendo em conta a dinâmica do mundo real não creio que seja assim tão estranho. Atente-se, por exemplo, no que se passa com as exportações portuguesas e que merece investigação mais detalhada. De acordo com as estatísticas oficiais, o volume de exportações parece não bater certo com os valores cobrados. Em consulta pouco rigorosa, para 2015, observa-se que Portugal exportou para os diferentes parceiros mais do que consta nas estatísticas dos parceiros. Será que há aqui um fenómeno de “evaporação”, que consiste em exportar uma quantidade de bens, com um determinado valor, que é facturado de forma especial a clientes estrangeiros, pagando estes uma parte à empresa exportadora e, aparentemente, outra parte a uma empresa local? Será que esta outra parte é contabilizada pelo exportador como dívida que nunca é paga? Será que o valor das exportações é “inflacionado” para propositadamente obter reembolsos de IVA superiores aos devidos?

E quem não conhece casos de micro empresas, com boas referências na “praça”, que são adquiridas para, premeditadamente, num espaço temporal muito curto, efectuar compras avultadas (burlas), supostamente a crédito de muito curto prazo ou via cheque bancário, beneficiando, portanto, do bom nome da empresa? Naturalmente que o cheque virá devolvido, que a divida não será paga, e que a mercadoria adquirida tende a entrar no “mundo” da ENR. Curiosamente, fruto do estado da nossa justiça, o que há a fazer, nestes casos, leva à perda de demasiado tempo. Efectivamente para apresentar uma queixa crime bem instruída é necessário, por exemplo, indicar testemunhas e identificar locais de venda da mercadoria. Enfim, tudo parece tender a proteger os burlões e a ENR!