Nuno Guita, Jornal i online
Num mundo em mudança a ética não pode ser apenas um conjunto de regras a cumprir – pois tornou-se numa condição dinâmica que importa gerir constantemente.
Os prejuízos que os lesados e o país sofrem diretamente com a criminalidade financeira justificam um olhar atento, também para as soluções, mesmo que a ganância e ambição pessoais não sejam os únicos motivos para o ardil enganoso. Há quem defenda que acabando com o enriquecimento também acabaremos com a ilicitude associada, mas não consta que haja mais integridade onde exista menos dinheiro. Por isso é compreensível que a economia de mercado não seja o contexto mais propício à pratica da escese com um sentido prático de mortificação, aplicando sacrifícios com vista a eliminar vícios, dominar e reorientar tendências desordenadas e robustecer a liberdade espiritual. Então como corrigir comportamentos cujos desvios se devem a uma deficiente cultura ética? Sobretudo de quadros superiores e líderes políticos.
Ninguém se queixa de lhe faltar boa moralidade, nem mesmo os magistrados da turma do CEJ de 2011, pois todos acreditamos saber distinguir entre o bem e o mal. No entanto, quando se trata de traduzir essa moralidade para o comportamento individual ou coletivo, as coisas já se tornam mais complicadas – aí temos um problema de ética!
Manter uma coesão ética, requer muito mais do que um conjunto estável de regras de conduta inscritos num qualquer código de conduta - o governo da República seguramente que desconhece isto. Pois no contexto cultural em que os comportamentos assumem dimensão e significado é constante a necessidade de incrementar uma cultura de comportamento ético porque as mudanças sociais e organizacionais são permanentes, bem como a tecnologia e as abordagens de gestão e de liderança. Alinhar a cultura organizacional e incorporar nas respetivas atividades uma ética firme e consistente com os seus valores e missão requere iniciativa e liderança em vez de apatia e seguidismo.
Na prática o que importa é que as pessoas de uma determinada organização, pública ou privada (um restaurante, um tribunal, um banco, um hospital, um munícipio, o próprio governo, etc...) mantenham efetivamente, um comportamento ético adequado e alinhado. Quando competentemente elaborados, os códigos de conduta, bem como as declarações de missão, visão e valores, são um instrumento valioso que relembra constantemente os destinatários das expectativas de conduta ética, que sobre estes impende. Isto não se verificou na CGD, na GALP, no BES, no governo e em muitas outras organizações. É neste contexto que surge a exigência rígida para com o COMPLIANCE (conformidade) com uma série de regras, políticas e diretrizes comportamentais.
Impera nas organizações modernas de todos os tipos e tamanhos, a diversidade, tanto no setor privado como no público. Todos queremos um reconhecimento diferenciado e exigimos uma filosofia de gestão personalizada. Cada um possuí a sua própria verdade, com experiências, motivações e valores distintos.
É aqui que surge o paradoxo! Pois, por um lado a diversidade cultural tem reflexos nos valores por via da pluralidade enriquecedora de experiências, origens, opiniões e perspetivas que os protagonistas transportam e por outro lado exige-se uma conformidade com uma ética universal que não existe. Haverá forma de conciliar este paradoxo? Talvez tenhamos de repensar as expectativas éticas e como efetiva-las nas organizações?
Pois, o comportamento ético não é como uma mercadoria, nem um objetivo a ser cumprido num determinado momento. O comportamento ético é sim uma condição organizacional sustentável - e como tal, é dinâmico! A busca da ética é interminável, porque qualquer organização que a sustente está em constante evolução. Tal significa que ao incorporarmos a ética na cultura organizacional, as pessoas agirão eticamente, independentemente das circunstâncias, quer esta alargue ou reduza as suas atividades, assuma novos mercados ou mude o objeto. Através de uma gestão ou educação cuidadosa, da cultura organizacional, pode-se resolver o paradoxo da recompensa individual versus o cumprimento de regras universais. Como nos recorda Kurt Eichenwald a propósito da Enron, quando uma organização já não consegue gerir a sua própria cultura nem dar prioridade aos valores e às considerações éticas torna-se vulnerável aos desvios comportamentais, por vezes com resultados catastróficos.
Os escandalos financeiros de amanhã.
Várias organizações de grande dimensão encontram-se presentes nesse plano de vulnerabilidade de Non-Compliance, quer nacionais, quer estrangeiras. Hoje em dia as grandes organizações caem por insuficiências internas e por resistirem à transformação cultural necessária para sustentar um ambiente mais ético. Qualquer processo de transformação começa com a convicção de que a mudança é necessária, e exequível.
Os líderes competentes sabem que os bons resultados dependem de um bom planeamento. Mas a gestão da cultura não incide apenas sobre os recursos. Não se trata apenas de políticas e códigos de conduta que fiquem a acumular pó na estante da sala de receção da administração. Trata-se de enraizar nos nossos comportamentos individuais – e como enquanto cidadãos, profissionais, ou em qualquer outra circunstância nos comportamos e assumimos as nossas responsabilidades.