António João Maia, Jornal i online
Apesar de reconhecidamente necessária, a lei não é suficiente para assegurar de modo conveniente a estabilidade e a coesão social. É imperioso que a sua aplicação se faça de acordo com critérios éticos e morais.
É inquestionável a importância central e determinante que as leis representam na manutenção das estruturas de uma sociedade evoluída e desenvolvida. Sem leis, sobretudo sem leis escritas, o homem dificilmente conseguiria alcançar patamares de grande complexidade nos modos como se organiza em termos sociais, culturais, económicos e políticos.
São as leis, enquanto instrumentos normativos, que confirmam, estabilizam, disciplinam, conferem forma objetiva e reforçam as ações admissíveis e aceitáveis nas relações que, aos mais diversos níveis, os sujeitos estabelecem permanentemente entre si no seio do grupo de que fazem parte e a que dão forma. Por isso as leis ajudam a clarificar e a separar as ações que o grupo considera aceitáveis e expectáveis daquelas que assim não considera. Sãos as leis que, ao clarificarem o caminho, definem também e ao mesmo tempo as suas margens. As leis criam, confirmam e estabilizam quadros de expectativas relativamente à ação dos sujeitos.
E como modo de garantia da sua verificação, da sua validade, da manutenção dos quadros de atuação que visam salvaguardar, elas prevêem, em muitas situações, formas de penalização para aqueles que as desrespeitem. Um exemplo muito claro e simples é o da lei que tipifica o homicídio como crime. Ao logo do seu processo evolutivo, as sociedades foram estabilizando a noção, depois tornada e interiorizada como princípio fundamental, de salvaguarda e de respeito pela vida de todos os sujeito. Por isso, a ninguém é reconhecido o direito ou sequer a possibilidade de poder tirar ou de decidir sobre a vida de outrem. Ao escrever num papel e estabelecer a lei que prevê modos de penalização forte relativamente a quem atentar contra a vida humana, que assenta numa censura social de gravidade máxima, o homem está a criar um mecanismo que procura reforçar a salvaguarda dessa noção, dessa vontade coletiva, desse princípio fundamental, desse anseio, dessa espécie de sonho.
Por todas estas razões assim simplesmente referenciadas, parece bom de ver que a lei é um instrumento necessário para a manutenção da coesão social. Todavia e apesar de reconhecidamente necessária, ela não é suficiente para assegurar de modo conveniente a estabilidade e a coesão social. É imperioso que a sua aplicação se faça de acordo com critérios éticos e morais.
É que a lei é, por natureza, uma criação geral e abstrata, e por isso fria, sobre a realidade que a sociedade procura confirmar e disciplinar. E quando se torna necessário fazer a sua aplicação, ela faz-se necessariamente sobre casos concretos, com contextos muito próprios e únicos, com homens de carne, osso e alma. Por isso a sua aplicação requer e deve obedecer também a critérios rigorosos e objetivos de ética e de moral. Critérios que tornem essa aplicação concordante com o mesmo quadro de valores que esteva na sua origem.
E é fundamentalmente por esta razão que a problemática de ética tem vindo a adquirir um interesse crescente nas questões da gestão da governação do interesse público, também conhecido como interesse geral, tanto ao nível da ação dos Governos como das estruturas dos serviços públicos.
É justamente a salvaguarda dos critérios éticos de morais na aplicação das leis que lhes confere a noção de justiça entendida no seu sentido humanamente mais amplo.