Henrique Santos, Visão online,

 

No início pensava que era uma brincadeira, mas depois de tanta insistência, lá fiz a vontade a uma querida viúva que não sabia a quem deixar a sua fortuna

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“Tanto desperdício é burrice. 2.000.000 de euros já cá cantam!”

Devo ser mesmo muita boa pessoa. Tanta gente a pedir ajuda e com vontade de me agradecer monetariamente, e quase sempre em nome de Deus, não deve ser por acaso.

Nos primeiros anos não liguei muito, mas com o passar do tempo fui ficando curioso.

Comecei por ser abordado diversas vezes por e-mail, mas também por correspondência postal (esta com menos incidência). Devo confessar que há mesmo pessoas que têm muito dinheiro, sobretudo para herdar ou que não querem que os seus herdeiros herdem e desejam que eu fique com tudo (também há bancários que querem dividir fortunas não reclamadas e que estão quase a ser declaradas a favor do estado se eu não quiser receber um bom quinhão das mesmas). São, quase sempre, familiares de famílias reais, enfermos sem família, pessoas que se querem dedicar à vida religiosa e oferecer tudo o que têm e por aí fora, que se dirigem a mim, O que têm de comum, é que querem que eu, sim eu, vá recebendo todo esse dinheiro (e já lá vão largos milhões).

No início pensava que era uma brincadeira, mas depois de tanta insistência, lá fiz a vontade a uma querida viúva que não sabia a quem deixar a sua fortuna (que o marido lhe deixou por ter falecido prematuramente com doença oncológica), mas que ela, também doente terminal, não tinha a quem deixar, dado que não tinha família nem herdeiros, e queria que alguém de que ela gostasse ficasse com a sua herança já nesta fase da sua vida.

Vou contar resumidamente.

No início de Agosto de 2016 recebi mais um pedido de ajuda de uma senhora que estava morrer e queria deixar toda a sua herança a alguém de confiança e que a usasse a fazer o bem. Ora nada melhor que eu (pensei), quando recebi o pedido de ajuda. Esse pedido não era muito difícil de concretizar, só tinha de saber gerir os 2.000.000 de euros que a senhora me queria deixar para fazer o bem (mas que podia usar em favor próprio) e, em troca disso, pagar as despesas de transferência dessa quantia para a minha conta, no valor de cerca de 2.000 euros (é justo, afinal vou receber muito mais e não fazia sentido nenhum estar a atrasar o processo e pedir à senhora que pagasse estes custos da burocracia, como me explicou). Desta vez aceitei. A história tocou-me e não queria deixar aquela senhora morrer sem cumprir o seu último desejo.

Eu estranhei o facto de me ter escolhido a mim, mas como sei que sou boa pessoa e já tinha recebido tantos pedidos idênticos que confirmavam que eu era mesmo boa pessoa, pensei logo que tanto desperdício era burrice!

Já transferi os 2.000 euros (1.874 euros, para ser mais preciso) em Agosto e no dia 15 de Outubro posso dizer que já cá cantam os 2.000.000 euros. Falta pouco e estou ansioso.

O Senhor Ministro das Finanças que não se preocupe, pois já me fui informar e sei que vou ter de pagar um bom dinheiro pelo acréscimo patrimonial que, obviamente, vou declarar que recebi, pois isto de ser boa pessoa tem de se manter. Não me posso esquecer que, no fim de contas, com tanta gente que não tem a quem deixar as suas fortunas, ainda vai aparecer mais alguém que poderá necessitar da minha ajuda.

Estou mesmo feliz. Cumpri o último desejo e pedido de uma senhora doente, vou poder praticar o bem, ajudando outras pessoas e viver uma vida, financeiramente, mais desafogada.

Dizem que o dinheiro não traz felicidade. Deus queira que, por qualquer motivo, não me arrependa de mais uma vez praticar o bem!

O que acham?