Óscar Afonso, Visão online,

 

Em crónicas anteriores tenho recordado que o crescimento económico permite que a geração futura viva melhor que a presente, depende da qualidade e da quantidade dos factores produtivos – desde logo trabalho qualificado e capital tecnologicamente avançado – e da qualidade das instituições.

...

Em crónicas anteriores tenho recordado que o crescimento económico, aquela “coisa” que, quando existe, permite que a geração futura viva melhor que a presente, depende da qualidade e da quantidade dos factores produtivos – desde logo trabalho qualificado e capital tecnologicamente avançado – e da qualidade das instituições. Quando falo em instituições estou a pensar sobretudo nas leis em geral e nas leis fiscais em particular, nos direitos de propriedade intelectual, na manutenção da lei e da ordem, nos serviços governamentais, nos aspectos culturais e geográficos, e nas condições sociais.

Já sabíamos que a orientação institucional imposta pelo governo desincentiva a poupança e que, num contexto de livre circulação de capitais, promove ainda a saída de valores acumulados. Como o investimento decorre da poupança podemos dizer que o investimento deixou portanto de interessar. E eu que achava que um dos principais problemas da economia portuguesa era a incapacidade de financiamento!

Para além de não se poder acumular riqueza, não é que em Portugal a orientação institucional sugere também que não se pode trabalhar em demasia?! Bem, na verdade, para ser preciso, não se pode trabalhar muito mas é oficialmente, onde uma fatia significativa de salários não passa dos 600 euros mês. Dito de outro modo, poder trabalhar pode, mas tende a ser (oficialmente) proibido. Não é que um desempregado, mesmo com um subsídio de desemprego ridículo, pode estar proibido de fazer pela vida? Se o fizer oficialmente poderá ter de abdicar do mísero subsídio. E não é que o mesmo se passa com um indivíduo com direito ao rendimento social de inserção (RSI)?! Qual a alternativa então? Em muitos casos a única alternativa para fazer pela vida é optar pela economia informal. É esquisito, mas é a verdade!

Dirão que casos assim não são muitos. Não concordo. Dou como exemplo o caso concreto das vindimas, no interior, onde efectivamente é impossível oficialmente garantir trabalho, para colheita das uvas e até para funcionamento de adegas/cooperativas, porque desempregados e utentes do RSI a receber miseráveis subsídios deixaram de estar disponíveis para o fazer: se quiseremos uvas e vinho na mesa não podemos exigir recibos aos trabalhadores das vindimas! Dou ainda outro exemplo real de um ex-professor universitário, doutorado pela Universidade de Londres, para quem ficou claro que as apregoadas políticas de mobilidade da União Europeia não produzem efeito ou são mesmo contraproducentes em Portugal. Focando-me nesse caso concreto, diga-se que uma vez desempregado, para poder sobreviver, passou a ensinar uma menina do primeiro ciclo, quando já tinha esgotado todos os seus recursos financeiros e necessitou de ajuda familiar. Naturalmente não passou “recibos”, porque a Segurança Social não consegue calcular a redução do subsídio de desemprego com ganhos mensais inconstantes e, ainda que o conseguisse, a redução do subsídio a juntar aos 62,04 euros mensais a pagar à Segurança Social e aos 25% de IRS, nunca compensariam qualquer biscate que fizesse. Aliás, os pais da menina, que são vendedores ambulantes, também não passam “recibos” do que vendem. Se calhar ainda bem porque assim podem dar algum dinheiro a ganhar ao doutorado desempregado. Na impossibilidade de arranjar trabalho a tempo integral que lhe permita viver de forma autónoma, o doutorado desempregado vê-se, assim, forçado a aceitar apenas trabalhos precários que não exijam recibo verde. O quadro institucional quer portanto que ele faça de conta que não quer trabalhar e/ou contribuir. Alguém deveria até processar o Estado pelo desperdício dos fundos que recebeu enquanto doutorando-bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia! Parece que há uma espécie de mão invisível a dizer-lhe “não passes recibos, recebe a pronto”.

Custa de facto ver o país tão obcecado pelos “nozinhos” da lei e gente tão enredada na teia administrativa ou entretidos a enredar os outros. Custa constatar que o quadro institucional impede muito trabalho oficial e promove muita economia informal, para não falar ainda do facto de um desempregado depois dos 35 anos estar “morto para o mundo do trabalho”, porque não há empresas que lhe consigam pagar os tais 600 euros mês. O desenvolvimento de actividades no âmbito da economia informal emergem assim como um meio de acesso ao trabalho e ao rendimento, num contexto em que a integração pelo emprego se encontra por concretizar. A economia informal apresenta-se pois como a solução para a atenuação da pobreza e da exclusão social, até de doutorados! Porém, não é possível equacionar de forma positiva a manutenção das situações no longo prazo, na medida em que a economia informal não se pode constituir como trajecto alternativo ao emprego no contexto da inclusão social dos indivíduos.