Manuel Castelo Branco, Visão online,

 

São numerosos os casos de ex-responsáveis políticos que prosseguem a sua carreira política no setor privado. Exemplos envolvendo dirigentes da Comissão Europeia foram-se multiplicando ao longo dos últimos anos.

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São numerosos os casos de ex-responsáveis políticos que prosseguem a sua carreira política no setor privado. Exemplos envolvendo dirigentes da Comissão Europeia foram-se multiplicando ao longo dos últimos anos. Dois deles terão causado maior polémica. O mais recente e mais conhecido em Portugal é o da contratação de Durão Barroso pelo Goldman Sachs. O outro caso é o de Günter Verheugen, Comissário para as Empresas e Indústria entre 2004 e 2010, que criou a empresa de consultoria European Experience Company, sobre a qual se pode dizer que se dedica à atividade de lobbying junto das instituições europeias, servindo empresas e grupos de pressão. Na maior parte dos casos, não se trata de sair da política para abraçar uma nova carreira profissional, agora no mundo empresarial. Pelo contrário, trata-se de prosseguir a mesma carreira, agora com diferente grau de interligação com o mundo empresarial.

Jackie Chan disse, em 2012, de certa forma em comparação com a China, que, de todos os países, talvez seja nos Estados Unidos da América (EUA) que há mais corrupção. Tal afirmação foi, como seria de esperar, objeto de ampla divulgação, tendo sido o ator severamente criticado pelo seu suposto “anti-americanismo”. Todavia, há um conjunto de reputados intelectuais daquele país que têm vindo a produzir afirmações que vão no mesmo sentido. Por exemplo, em 2014, Joseph Stiglitz afirmou que se a Índia é um país corrupto, os EUA são um bom concorrente. Em fevereiro de 2016, no seu blog, escrevendo sobre se o fenómeno da corrupção é mais grave no Brasil ou nos EUA, Henry Mintzberg considerou que relativamente a um aspeto crucial não é no Brasil que a situação atinge contornos mais graves. De acordo com Mintzberg, enquanto no Brasil a corrupção é criminal e pode ser sancionada pela justiça, nos EUA ela é legal, não sofrendo os seus perpetradores qualquer espécie de sanções legais. Também este ano, em maio, Jeffrey Sachs sugeriu que para acabar com a corrupção se comece com os EUA e o Reino Unido. Esta afirmação de Sachs deve ser lida à luz do que este economista escreveu, numa crónica de 2011, com o título “A onda de crimes empresariais da economia global”: “O mundo está a afogar-se numa fraude corporativa e os problemas são, provavelmente, maiores nos países ricos - os que supostamente têm uma «boa governação». Os países mais pobres, possivelmente, aceitam mais subornos e cometem mais ofensas, mas são os países ricos que acolhem as empresas globais que cometem os maiores delitos. O dinheiro fala e está a corromper a política e os mercados em todo o mundo.” As afirmações de Stiglitz e de Mintzberg também devem ser lidas à luz desta constatação.

É a existência daquilo que agora se designa de “corrupção legal” que leva comentadores como Mintzberg, Sachs e Stiglitz a sugerir que a chave para a mitigação do problema se encontra nos países mais desenvolvidos. Nestes países, a “grande” corrupção encontra-se associada ao financiamento de partidos políticos e de campanhas eleitorais e ao fenómeno do lobbying. Estas atividades das empresas, entre outras, correspondem ao que hoje em dia se chama de “atividade política das empresas”.

A OCDE publicou, em fevereiro deste ano, um relatório sobre “Financiando a democracia: o financiamento de partidos políticos e campanha eleitorais e o risco de captura política”. No prefácio a esta obra, Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, aponta algumas das consequências da captura da política por interesses privados: erosão da governação democrática, da coesão social, da igualdade de oportunidades, bem assim como declínio da confiança na democracia. Termina escrevendo “em democracia, a política pública nunca devia estar à venda pelo melhor preço”.

O Goldman Sachs possui uma declaração sobre participação política, disponível na sua página web. No primeiro parágrafo de tal declaração reconhece-se que “a capacidade da empresa gerar rendimentos para os seus acionistas se encontra fortemente dependente do ambiente empresarial em que opera”. Considera-se ainda, em tal declaração, que é responsabilidade da empresa compreender os ambientes regulatório e político nos quais ela tem presença e “advogar políticas que fomentam o crescimento económico global, promovem estabilidade financeira e melhoram as comunidades e a sociedade”. Imagino que qualquer ex-responsável político se sentirá em sintonia com a responsabilidade assumida pela empresa e terá vontade de se juntar a ela na prossecução de objetivos tão elevados. Sentir-se-á com vontade de prosseguir a sua carreira política ao serviço de organizações que assumem tais responsabilidades e prosseguem semelhantes objetivos.

De acordo com informação obtida na página do Registo de Transparência da União Europeia, cujo objetivo é “informar os cidadãos sobre as organizações e os trabalhadores independentes cujas atividades se destinam a influenciar os processos de tomada de decisões da União Europeia”, o Goldman Sachs, inscrito nesse registo desde novembro de 2014, apresentou, relativamente a 2015, uma estimativa dos custos anuais relacionados com as atividades abrangidas por tal registo entre 1 000 000 e 1 249 999 euros. Resta saber se não seria mais transparente tornar parte da estimativa dos custos anuais relacionados com as atividades abrangidas neste Registo de Transparência as remunerações de ex-responsáveis políticos.