Mariana Fontes da Costa, Visão online,
Todos os profissionais envolvidos no processo de concessão de crédito à habitação têm o dever de atuar “(…) de forma honesta, leal, transparente e profissional, tendo em consideração os direitos e interesses do consumidor” (Artigo 7.º, n.º 1 da Diretiva 2014/17/UE)
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No rescaldo da contração verificada no auge da crise económico-financeira de 2007, o crédito à habitação voltou a registar valores de crescimento desde 2013, tendo atingido em 2015 um período de forte recuperação, com o número de contratos celebrados a aumentar 51% e o montante de crédito concedido a aumentar 65% em relação a 2014 (vide Relatório de Acompanhamento dos Mercados Bancários de Retalho, elaborado pelo Banco de Portugal).
Segundo dados obtidos no inquérito trimestral do Banco de Portugal aos bancos sobre as condições do mercado de crédito, o crescimento do crédito à habitação em 2015 explica-se por um aumento significativo da procura de crédito à habitação por parte dos consumidores, mas também pela adoção de critérios menos restritivos da oferta de crédito no primeiro semestre do ano.
Esta referência a critérios menos restritivos de concessão de crédito é, na fresca memória das incontáveis vítimas da crise de 2007, suficiente para acordar os fantasmas do subprime, da incapacidade de cumprimento das obrigações emergentes do contrato de crédito e da perda da casa de morada de família.
Com o intuito de combater as principais causas que propiciaram as elevadas taxas de incumprimento do crédito à habitação pelos consumidores e a concomitante execução de hipotecas um pouco por toda a Europa, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adotaram, em 4 de fevereiro de 2014, a Diretiva 2014/17/UE, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação (doravante designada “Diretiva”). Terminado o período para transposição da mesma no dia 21 de março do presente ano, aguarda-se com expectativa a divulgação das medidas legislativas que o Estado Português irá adotar para dar cumprimento a estas exigências reforçadas de proteção e transparência, num segmento de tão elevada relevância no dia-a-dia dos cidadãos.
As principais linhas de força traçadas pela Diretiva 2014/17/UE centram-se em deveres alargados de formação, informação, transparência, imparcialidade e controlo de risco por parte das instituições que concedem o crédito, mas também, e aqui reside uma das suas principais novidades, por parte dos intermediários de crédito e seus representantes nomeados. Se já claro era, reforça-se agora que todos estes profissionais envolvidos no processo de concessão de crédito à habitação têm o dever de atuar “(…) de forma honesta, leal, transparente e profissional, tendo em consideração os direitos e interesses do consumidor” (artigo 7.º, n.º 1 da Diretiva).
Muitas das medidas de proteção ao consumidor impostas pela Diretiva encontram já acolhimento na ordem jurídica portuguesa (como, por exemplo, o direito ao reembolso antecipado do crédito), e muitas outras encontraram acolhimento em legislação temporária que foi adotada durante a crise económico-financeira de 2007 (veja-se, por exemplo, o “Regime extraordinário de proteção de devedores em situação económica muito difícil”, consagrado pela Lei n.º 58/2012, de 9 de novembro), mas não deixam de existir novidades de relevo, como seja a sujeição dos intermediários de crédito a processos de autorização, registo e supervisão por parte de entidades oficiais, e não pode ser ignorada a mais-valia de uma maior uniformização jurídica ao nível da concessão de créditos hipotecários dentro da União Europeia.
Sem prejuízo da maior eficiência previsível na tutela preventiva do consumidor, com as exigências de avaliação da sua solvabilidade e a proibição de concessão do crédito se o resultado dessa avaliação não fizer prever o provável cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, a Diretiva foi, porém, significativamente menos perentória na proteção do consumidor em incumprimento contratual. O recurso a uma linguagem essencialmente programática no artigo 28.º, confere aos Estados-membros uma ampla margem de configuração da proteção do consumidor em matéria de pagamentos em atraso e execução de hipotecas, nomeadamente nos casos mais flagrantes em que, mesmo após a venda judicial do imóvel, subsistem montantes em dívida da responsabilidade do consumidor. Aguarda-se a resposta do legislador português a esta questão, embora ciente de que a intervenção legislativa nessa matéria tem sido até à data, à luz da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, muito pouco assertiva.