José Leal, Visão online,
Por entre as inúmeras alegorias sobre as sombras importa que não confundamos a verdade com a realidade. A verdade constitui-se num caminho para o processo de decifrar a realidade, todavia tal não significa que a alegada verdade se subsuma à realidade.
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A fraude enquanto facto constitui-se num efeito desencadeado pela ação volitiva do comportamento humano no quadro de determinada interação social. Constitui-se assim no plano epidemiológico num sintoma sobre o estado de anormalidade, e no âmbito do controlo social num método através do qual se corrompe um imperativo normativo e regulatório.
Impõe-se pois que, conhecidos os efeitos, se identifiquem as causas, se estudem e se planifique uma estratégia operativa de modo a que as condições de risco sofram alguma alteração no sentido do seu controlo a níveis considerados estatisticamente admissíveis como normais relativamente ao que se considera o equilíbrio da estrutura social.
No plano macro remete-nos, através da dimensão intrapessoal, para o processo de construção do indivíduo e como tal para o processo de socialização, para a incorporação de disposições, para um quadro axiológico de referência, e para as condições de existência e de realização do sujeito enquanto indivíduo; e através da dimensão extrapessoal, para os sistemas regulatórios de organizações e atividades, mediante processos de efetiva monitorização, auditoria e inspeção, regulares. Por entre a moral, a ética, o controlo e a regulação social.
Importa uma vez mais por entre as inúmeras alegorias sobre as sombras, inspiradas no pensamento de Platão, que não confundamos a verdade com a realidade. A verdade constitui-se num caminho para o processo de decifrar a realidade, pelo que a alegada verdade não se subsume à realidade. A verdade sobre a existência das sombras não se pode confundir com a realidade, e a materialidade dos objetos, pois as sombras não passam de uma manifestação da existência da efetiva realidade, essa sim, bem real. Assim é em inúmeras dimensões da vida humana, e do raciocínio em particular.
Confundir sombras com objetos é claramente fundir a alegada verdade construída pelo raciocínio com a efetiva realidade; o que queremos dizer é que no âmbito do estudo e da intervenção sobre a fraude não basta a procura de uma alegada sombra construída, que julgamos ser a verdade do objeto do qual decorre, com base na razão e na lógica, mas sim a efetiva descodificação da realidade. Sustermos o conhecimento ao nível da dimensão das sombras é condenarmos a verdade a um exercício inevitável de falsificabilidade. E a catástrofe de tudo, serão as inevitáveis e irreparáveis consequências que tal convicção de verdade poderá produzir sobre as organizações, as atividades, e a materialidade da existência das pessoas.