Paulo Vasconcelos, Visão online,

 

Depois da Volkswagen com a falsificação dos testes de emissão de gases poluentes, vários outros fabricantes têm as mesmas práticas.
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Já se estava à espera. Depois do escândalo Volkswagen com a falsificação dos testes de emissão de gases poluentes, vários outros fabricantes aparecem denunciados de processos semelhantes.

A Volkswagen, maior construtor automóvel do mundo, foi apanhada pelas autoridades Norte Americanas a defraudar consumidores, acordos internacionais sobre emissão de gases poluentes e os outros construtores, através da barata instalação de um dispositivo manipulador de emissões. Aparentemente, já em 2011 um colaborador da VW havia denunciado à administração esta fraude. A Bosch, empresa que forneceu o software para efeitos de teste em 2007, também teria alertado para o seu uso ilegal. O governo Suíço proibiu a venda de veículos a gasóleo da VW. A VW admitiu ao regulador norte-americano ter tido comportamento fraudulento ao comercializar automóveis e veículo pesados com motor a gasóleo munido de software para aldrabar os testes de emissões de gases poluentes. O valor das ações da VW caíram em um terço do seu valor em bolsa. Os consumidores ficam extremamente penalizados pois qualquer reparação subsequente lhes retirará os veículos por um período, residindo sempre a desconfiança. Todos ficam penalizados pois os níveis de emissão de óxidos de nitrogénio são maiores do que os estimados e concertados tendo em vista as estratégias de combate às alterações climáticas. Convém referir que em países desenvolvidos, as emissões resultantes dos transportes podem representar cerca de 25% do total de emissões. Claro que com este pequeno truque, a companhia poderia ver a sua posição de maior construtor mundial afirmada, os seus administradores e altos cargos dirigentes veriam os seus bónus aumentados, o emprego cresceria e os lucros aumentariam. O demissionário CEO da VW, Martin Winterkorn, alegou que nada sabia sobre esta fraude, responsabilizando executivos em abstrato. Este ex-CEO era suportado pela família Porsche, detentora de 50% das ações da VW, pelo que detinha total controlo sobre a companhia. Podia, como Will Hutton no jornal The Guardian afirmou, governar a VW como se da coreia do Norte se tratasse. Afinal o estado não pode controlar, deve entregar o máximo à iniciativa privada. Mas os privados podem governar sem escrúpulos, focados apenas no lucro a todo o custo. Todos se sentem bem no presente com aumento de vendas, distribuição de riqueza e oferta de emprego. Num estado democrático há o voto. Numa sociedade anónima há os acionistas, cujos interesses primeiros não serão a ética nem a ecologia. Onde param os reguladores? Onde é que se meteu a justiça? Não há punição para estes defraudadores?

Surge agora a Mitsubishi. Menos tecnológica, parece que a viciação decorreu da alteração na pressão de ar nos pneus dos veículos testados, e por conseguinte nos consumos. A empresa, na boa tradição Japonesa, já admitiu esta manipulação desde 2013 em cerca de 625.000 carros, alguns construídos para a marca Nissan. O pedido de desculpas e a queda em 15% das ações da Mitsubishi Motors na bolsa de Tóquio são o resultado imediato. As ações chegaram mesmo a estar suspensas ao atingirem uma queda de 20%. Este escândalo com a Mitsubishi vem aprofundado depois das autoridades norte-americanas (US National Highway Traffic Safety Administration) terem solicitado informações do grupo automóvel japonês sobre automóveis vendidos nos EUA. O governo japonês, contrariamente ao alemão que se manteve bastante apático no processo VW, e a ser provado que a fraude existe, já fez saber que o construtor nipónico deve recomprar os veículos afetados e indemnizar o estado pelos subsídios que este concedeu aos consumidores de tecnologia mais limpa e amiga do ambiente. Entretanto, parece que já desde 1991, pasme-se, a Mitsubishi manipularia testes sobre consumo de combustível.

A Mitsubishi Motors junta-se à Hyundai, Kia e Ford na lista de fabricantes de automóveis que terão manipulado os testes e relatórios sobre consumo de combustível (de alguns) dos seus carros.

A Daimler, construtora dos carros Mercedes-Benz, viu também as suas ações desvalorizadas em mais de 5% depois de ter anunciado um processo de investigação aos níveis de emissão de gases poluentes na sequência de um pedido de esclarecimento do departamento de justiça Norte-americano.

Também as ações da Peugeot caíram 4.5% depois de investigadores antifraude franceses terem acedido às instalações deste fabricante como parte de um levantamento exaustivo, ainda com ligações ao caso VolksWagen.

E muitos mais se seguirão … tal qual no caso dos “papéis do Panamá”.

Tudo isto é muito grave pelos impactos nefastos no planeta, na transparência, pelos direitos dos consumidores. Mas tudo isto é também política. Vários construtores automóveis não conseguem entrar no mercado europeu e norte-americano por não conseguirem produzir veículos que satisfaçam os crescentes níveis de exigência em termos de emissão de gases poluentes. Também aqui há fraude comercial. É uma forma, infelizmente artificial, para evitar que, nomeadamente, construtores chineses e indianos entrem nestes mercados protegendo os fabricantes “tradicionais”.

Mas será que algo resultará disto tudo para além de uns puxões de orelha e umas multas mais ou menos simbólicas? Parece que as bolsas reagem a estes problemas, como reagem por tudo e por nada manipuladas pela especulação. Os acionistas são muito pouco zelosos das suas obrigações e mesmo dos seus direitos. Para estes a sua posição é mais uma forma de diversificar o investimento do que um ato de trabalho profissional. Também o efeito de grupo parece torvar as opções e decisões. Os salários e prémios pagos a gestores destas empresas não tem correspondência no real valor e resultados demonstrados. Muitos dos gestores são apaparicados como se de autênticos deuses se tratassem, como se não existissem centenas de outros com igual potencialidade para desenvolver semelhante ou até melhor trabalho. São enumeras as constatações de gestores de sucesso que derrubam ou ferem quase mortalmente as empresas destes acionistas; muitos são ainda principescamente compensados para saírem após tal desfecho. Acordai!

Estes problemas são cada vez mais graves na medida em que a economia é cada vez mais motorizada por empresas e grupos empresariais do que pelos estados. Ao estado tem sido reservado o papel regulatório, e mesmo este delegado em organizações estatutariamente com grande independência deste. Os reguladores, muitos caros aos contribuintes, nem sempre, ou quase nunca, revelam eficácia na sua ação. Sobretudo na Europa, que ao abandonar, lenta mas assertivamente, a construção de um estado social para um estado mais assente no indivíduo, copiando de forma parcelar tradições de governação norte-americanas, não tem sabido dar força e responsabilizar as estruturas de regulação e controlo. Não é que na dita tradição norte-americana não existam problemas e erros, mas muitos casos são detetados, julgados e as penas executadas. Talvez até possa ter sido para proteção da indústria automóvel americana, mas o certo é que o problema foi detetado e levantado do outro lado do atlântico, e não internamente na velha Europa. A mesma Europa que depende da sua aliança para se defender, que não consegue ter uma política comum, e que a propósito de uma construção europeia e coesão económica tem estado a diligenciar a divergência entre muitos dos seus países. A VW acordou com as autoridades dos Estados Unidos, para além da reparação dos veículos manipulados, indemnizar todos os proprietários com um montante em dinheiro. Este acordo estima-se, deverá custar à VW qualquer coisa como 10 bilhões de dólares. Esta solução não é repetida na Europa! Porque será?

Depois há a “maldição da dimensionalidade”. Sim, se um café vender um iogurte um dia depois do prazo ou a casa de banho não cumprir com todos os requisitos legais “cai o Carmo e a Trindade”: fecha-se a “tasca”, cobra-se violenta multa e exige-se reparação. Com um fabricante de automóveis … deixa-se que estes negoceiem com as autoridades ou diretamente com os compradores para encontrar uma solução invariavelmente pouco penalizadora para a empresa. E os benefícios que o Estado confere para aquisição de carros mais eficientes e abate dos mais poluentes? Não deveria o estado cair sobre estas empresas processando-as?

Há quem argumente que a corrupção está fortemente relacionada com a democracia e a economia de mercado [M. E. Warren, “What does corruption mean in a democracy?”, American Journal of Political Science 48 (2), 328-343] e outros mais clássicos como Max Weber que associam a corrupção à religião. As causas serão muitas e variadas, mas é realmente preocupante que em democracia a fraude e a corrupção possam ser encarados por muitos como a única forma de enriquecimento possível.