António João Maia, Jornal Sol,

 Os actos de corrupção e fraude, que as mais das vezes ocorrem no contexto da acção de organizações (públicas ou privadas) da estrutura social, são praticados por indivíduos (funcionários ou trabalhadores dessas organizações) que revelam deficiências na interiorização dos valores Éticos e Morais e das normas e Leis

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Muito se tem falado e escrito sobre fraude e corrupção nos últimos tempos. Muita é a informação – por vezes desinformação – acerca de determinadas situações concretas sob suspeita. E a percepção da generalidade das pessoas sobre o problema alimenta-se fundamentalmente desse discurso.

A reflexão que aqui se partilha convida a olhar para o problema da fraude e da corrupção a partir da dinâmica social e cultural das sociedades, como é estudado no Observatório de Economia e Gestão de Fraude.

Viver em grupo é uma condição incontornável da existência do homem!

A vida em grupo – em sociedade, como dizemos – implica necessariamente a definição, interiorização e sustentação de um conjunto de normas e Leis que pautam, enformam, contextualizam e disciplinam a acção de cada indivíduo no seio do grupo e, no limite, do próprio grupo no seu todo.

As normas e Leis assentam essencialmente em práticas, rituais e tradições sedimentadas pelo grupo ao longo do tempo e apreendidas através de processos de socialização. Ao serem adoptadas e postas em prática pela maioria dos sujeitos, adquirem o estatuto de reconhecimento, validade e sustentação social – todos tendem a rever as suas acções nesse quadro normativo. Ele torna-se um todo coerente. Serve, a todo o tempo, para que os indivíduos norteiem as suas linhas de acção, e para que o grupo crie um quadro de expectativas relativamente a essas mesmas acções. E toda a estrutura social, incluindo as entidades que asseguram as diversas funções de interesse do grupo, funciona neste registo e segundo esta dinâmica.

Por outro lado, a dinâmica social faz-se também naturalmente a partir dos interesses que fazem mover os sujeitos no seio do grupo. O grupo tende a manter-se coeso em torno do seu quadro normativo na medida em que a maioria dos sujeitos seja capaz de procurar satisfazer os seus interesses segundo um compromisso que respeite as normas, as Leis e o quadro das expectativas sociais. A manutenção da coesão social ao longo do tempo assenta muito nesta capacidade.

Esta capacidade baseia-se essencialmente na Ética e na Moral, que decorrem da existência de valores e princípios que devem nortear a acção dos indivíduos. Tal como as normas e as Leis, os valores da Ética e da Moral são adquiridos – sedimentados, interiorizados e sustentados – através do processo de socialização. A operacionalização dos valores da Ética e da Moral, traduzida nas acções concretas de cada sujeito na aplicação das normas e das Leis, deve permitir a conciliação entre os interesses individuais e os superiores interesses colectivos.

No essencial e de modo muito rápido, simplista e reconhecidamente teórico, estes são os principais traços que caracterizam e explicam a dinâmica social e cultural das organizações humanas em torno da Ética, dos valores e das normas.

E, qual lado lunar, a corrupção e a fraude traduzem acções de alguns indivíduos que contrariam toda esta lógica, toda esta mecânica, todas as expectativas sociais.

Os actos de corrupção e fraude, que as mais das vezes ocorrem no contexto da acção de organizações (públicas ou privadas) da estrutura social, são praticados por indivíduos (funcionários ou trabalhadores dessas organizações) que revelam deficiências na interiorização dos valores Éticos e Morais e das normas e Leis da sociedade de que fazem parte. A satisfação dos seus interesses particulares diverge e verga os superiores interesses do grupo, subverte as normas e as Leis e defrauda as expectativas sociais. Estes sujeitos revelam-se particularmente egoístas face ao grupo.

A ocorrência destes actos traduz anomalias na dinâmica de manutenção e sustentação da coesão social. Revela que algo falhou ao nível da interiorização dos valores da Ética e da Moral.

Por isso e de um ponto de visto puramente sociológico e antropológico, parece que o controlo do problema da fraude e da corrupção possa ser mais eficaz se decorrer de estratégias preventivas que apostem fundamentalmente na formação do indivíduo para a interiorização e consolidação dos valores da Ética e da Moral, das normas e Leis, e menos da acção repressiva e punitiva das polícias e dos tribunais, que, não obstante, continuará a ser necessária e importante para o tratamento das situações que apesar de tudo continuarão a subsistir.

Importa agir a montante do problema, através de um robustecimento dos processos de socialização, ao nível da educação. Mais vale prevenir do que remediar…