André Vieira de Castro, Visão online,

 

Uma economia de mercado. Gigante e Global. Mas e o “EU”, como é que fica o “EU” na China? Com que pode sonhar?

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Confesso que a crónica que tinha previsto publicar por esta altura era uma sequela da série “Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz”, a propósito das obrigações Rio Forte e do Grupo Espírito Santo (ver crónicas do mesmo autor). Assunto que merecerá muitas crónicas. Sobre o que aconteceu. Sobre o que acontecerá.

Sucede que tive a oportunidade de visitar a China muito recentemente. No início de Dezembro, convidado para participar em várias conferências sobre empreendedorismo, inovação e transferência de tecnologia. Em Nanjing, Wuxi e Suzhou.

São cidades novas e pequenas, a oeste de Shangai (250km a 100km). Nota: por pequenas leia-se 3 a 5 milhões de habitantes. Pequenas ainda assim. No contexto.

Com a ressalva de que ninguém visita a China por 9 dias e fica a conhecer a China. Fica a conhecer a amostra selecionada de uma parte do território, que é imenso e absolutamente heterogéneo.

Em ambiente urbano temos que fazer um esforço constante que nos recorde que estamos na presença de um regime comunista.

Porque o quotidiano nestas áreas (onde vive grande parte da população, que desertou do interior) é, diria, quase burguês. Esconderá esta capa uma realidade diferente?

Nunca encontrei uma comunidade tão coerente como a chinesa. Coerente no sentido de comprometida com uma estratégia. Do ponto de vista empresarial, essa harmonia é excelente. Todos sabem e compreendem a agenda nacional. E a regional, com as suas idiossincrasias. Autoridades regionais e locais, centros de investigação e desenvolvimento, gestão de parques empresariais, centros de conhecimento, estudantes universitários até. Os próprios empresários.

Todos conhecem o desafio da Sustentabilidade, da Smart Industry, do Projeto da Indústria 4.0, da ambição de se tornarem líderes em High-End Manufacturing (e não apenas “a fábrica do mundo”).

E não só conhecem como todos empreendem determinada função que concorre para a prossecução de objetivos de ação, que permitirão chegar à ambição perseguida.

Mas falta qualquer coisa. Qualquer coisa que não fui capaz de deslindar, tal é a distância cultural que nos separa.

Falta perceber onde está o RISCO.

Esta abnegação quase obsessiva pelo sucesso da nação é fantástica do ponto de vista de envolvimento da própria comunidade, mas altamente castradora da sua espontaneidade, liberdade e imaginação.

Os processos de conhecimento arrancam sempre por mimetismo. Benchmarking é o principal gatilho para a inovação, ainda que hoje invistam toneladas de recursos financeiros para estarem (e estão!!) na vanguarda de muitas áreas do saber.

Mas a forma como envolvem a sua diáspora, por exemplo, faz lembrar os espiões russos que vivam nos Estados Unidos em plena Guerra Fria.

Os chineses que vêm estudar para a Europa ou Estados Unidos regressam à “mãe pátria” com chorudos contratos de investigação. Levam com eles o produto do que investigaram e conheceram nestas “velhas” economias.

Outros fazem o sentido inverso. Menos qualificados, são enviados para missões de implantação de células chinesas nos países referidos. Assim os temos por cá também. Até temos instrumentos para os captar. E bem. Acho. Achava.

Há investidores qualificados. E há os “pequenos” investidores, ligados sobretudo ao comércio, fazendo de ponte comercial perene com a casa-mãe e permitindo canais de distribuição financiados a montante. O ciclo completa-se.

Porque a perceção de RISCO é muito diferente nesta comunidade.

O Estado, o sacrossanto, detém ou influencia diretamente a esmagadora maioria dos projetos empresariais. É aliás daí que advém a facilidade de recursos para continuamente investir na agenda nacional.

Há fraude?

Não consigo responder. A verdade é que não encontrei, ao contrário de outros regimes (Cuba, Venezuela, por exemplo) uma calada insatisfação da população. Pelo menos desta população urbana. Não da outra, que vive não sei como no “countryside”…

Mas o empreendedorismo tal como o conhecemos não existe por lá. Existe outro empreendedorismo. A escalada social, a ambição pessoal e social, não são fatores determinantes no sonho. O amiguismo, sim. O respeito profundo pelas hierarquias, que conduz à submissão e à tolerância para grandes esquemas de corrupção na administração pública também parece que sim.

Mas o sonho individual, que nos faz mover montanhas, não.

Pergunto-me com que sonharão…