Elisabete Maciel, Visão on line,

Alguém constrói a sua carreira profissional sobre um logro

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A fraude é um dos maiores flagelos no mundo contemporâneo. Evidentemente, a situação não é idêntica em todo o mundo, verificando-se que há países onde esta assume proporções inquietantes. Sendo um fenómeno tão abrangente e podendo ser observado segundo diversas perspectivas, assumo como definição de fraude “todo o acto intencional de pessoas, individuais ou colectivas, perpetradas com logro que provocam, efectiva ou potencialmente, vantagens para uns ou danos para outros e que violam ou a ética, ou as boas práticas, ou a lei”[1].

Esta história que vos vou contar passa-se num país que poderia perfeitamente ser o nosso. Há muitos anos, uma Universidade de renome contratou uma professora para leccionar uma disciplina. Sentindo-se incapaz de o fazer e tendo um namorado polivalente, este convenceu-a que a podia substituir e que ninguém daria por isso. Começou assim a sua carreira fraudulenta. Ele dava as aulas e ela assinava os sumários. Era uma relação simbiótica. Na realidade, a situação passou despercebida a quem de direito, de tal forma que no final do ano lectivo ele foi premiado. Foi contratado pela instituição!

O tempo foi passando e cada vez a situação ia melhorando para o seu lado. Tudo fazia para afugentar os seus alunos. Assim, cantando e rindo, as turmas iam-se esvaziando, sendo frequentemente encerradas depois de meia dúzia de aulas. Evidentemente, o ordenado não deixava de o receber, pois não estava ali por caridade.. . Sem aulas, consequência da estratégia assumida, tempo não lhe faltava para preparar as provas exigidas à prossecução da sua carreira. A área de investigação até podia ser muito diferente da de formação pois, como era muito versátil, alguma coisa havia de produzir. Depois logo se veria que esquema seria necessário para garantir a aprovação nas ditas provas. E, como não podia deixar de ser, lá obteve a aprovação.

Começa uma nova saga: não tendo uma formação sólida na área em que prestou provas, e para a qual se esperava estivesse habilitado para leccionar, passou a circular a grande velocidade pelas mais diversas disciplinas. Ora cometia erros de palmatória, ora resolvia fazer de palhaço e substituir o conteúdo das disciplina por umas piadas bem contadas, ora até resolvia assumir decisões que não lhe competiam. Enfim, era um homem polivalente….

Como consequência, após tantas maldades cometidas, foi alvo de vários processos. Porém, no dito país, as coisas não funcionavam lá muito bem e, miraculosamente, passou por eles todos sem grandes percalços. Conseguiu algo melhor ainda: como a instituição tinha dificuldade em lhe atribuir serviço, tendo em conta a relutância das equipas docentes (serviço esse que ele se encarregava de reduzir), tinha muito tempo para investigar e, assim sendo, de publicar. Escrevia sobre os mais variados temas. Mais uma vez, a sua faceta polivalente…

E assim foi subindo na carreira. O “crime” às vezes até compensa!

Esta efabulação mostra que a fraude é um fenómeno complexo, não facilmente identificável e que se pode manifestar sob diversas formas. Nesta situação, alguém constrói a sua carreira profissional sobre um logro, lesando e comprometendo a reputação de uma instituição. Acresce ainda a penalização de grande parte dos alunos que com ele se cruzaram e que se viram obrigados a abandonar as suas aulas, estudarem pelos seus próprios meios ou a sujeitarem-se a uma caricatura académica.

Cantando com Ana Carolina e Seu Jorge [2]:
“É isso aí
Há quem acredite em milagres
Há quem cometa maldades
Há quem não saiba dizer a verdade”

NOTAS:

[1] AS FACETAS DA FRAUDE - CINCO ANOS DE CRÓNICAS NA VISÃO, Organização: Nuno Gonçalves e Carlos Pimenta, Edições Húmus, Lda., 2014
[2] A canção, “É isso Aí” é uma versão adaptada por Ana Carolina da música "The Blower´s Daughter" de Damien Rice