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Não podemos ignorar a economia subterrânea porque não nos convém

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Como acontece na generalidade dos temas sociais, creio que os cronistas de Economia, para além de limitarem os assuntos em discussão, discordam claramente em questões normativas que envolvem juízos de valor. Embora cada cronista possa ter a pretensão de escrever sem ideologia nenhuma, com isenção e objectividade, tal não acontece. Não há obviamente mal nisso, mas não deixa de ser uma forma de cinismo não assumir individualmente a respectiva visão ideológica, e não haver na imprensa palco para todos os temas económicos e para todas as ideologias.

Assim, por exemplo, acreditar na bondade do liberalismo sem freio, na aposta de que a mão invisível do mercado tudo resolve, não deixa de estar tão certo como acreditar que um jogo de futebol de competição chegaria ao fim sem árbitro. Sendo, neste contexto, tão evidente a necessidade de um (bom) governo que promova a eficiência, a equidade, a estabilidade macroeconómica e o crescimento económico, nem vale a pena perder tempo com esta hipótese normativamente defendida por muitos.

É igualmente difícil entender aqueles que normativamente acreditam que a melhor solução passa sempre por governos gastadores e populistas. Tal significa aceitar que nunca haverá problema com contas públicas e externas. Mas um défice orçamental persistente e de dimensão significativa, mais cedo ou mais tarde, não precisa de ser corrigido, já que não há permanentemente activos para vender, o financiamento monetário, se possível, tem problemas e a dívida pública deve ser sustentável? E um défice na balança corrente não significa que o país está a viver “acima das suas possibilidades”, necessitando, por isso, de ser também corrigido, por via da intervenção governamental em vez de esperar pela exigência imposta pelos mercados financeiros? Sendo assim, como é então também possível defender esta visão de governo?

Como custa aceitar que, a nível mais microeconómico, se conte demasiado a perspectiva dos vencedores, com cotações de bolsa, com grandes negócios e com “jogadas de mestre”, o que, por vezes, traz consigo o odor da corrupção e da fraude, do branqueamento de capitais, enfim, das infracções económico-financeiras.

De igual modo, parece-me igualmente incorrecto que as crónicas produzidas ignorem que, em média, à escala global, pelo menos um quarto das actividades económicas não são registadas e contribuem para que exista uma economia ilegal e subterrânea, que, por sua vez, acaba por potenciar os efeitos nefastos do liberalismo sem freio. Assumindo-se como crucial na compreensão de toda a estrutura económica e social das sociedades, a dinâmica da economia não registada não pode pois ser omitida. Ora, no nosso país, excluindo a importância atribuída ao assunto pelo Observatório de Economia e Gestão de Fraude que, cuidadosamente, vem alertando, quando lhe é permitido, para as suas nocivas implicações, o interesse por esta temática é praticamente nulo.

Como é igualmente nulo, ou manifestamente insuficiente, o desinteresse pelo rearranjo do poder económico mundial, fortemente baseado na financeirização dos activos, a apatia pela importância da produção real, industrial e agrícola, a indiferença pelo insuficiente investimento em inovação e tecnologia e a ignorância de que os “donos do dinheiro”, a(s) elite(s), intra-país tendem a recusar qualquer coisa que indicie uma pequena mudança no seu status quo.

A meu ver, faltam pois crónicas sobre assuntos que parecem ser tabu e falta, à generalidade dos cronistas económicos, a humildade para reconhecer que, quando escrevem, o fazem em nome de uma ideologia à qual devotam uma crença inabalável e que, nesse sentido, por emitirem opiniões baseadas num quadro ideológico “fechado” não prestam um serviço “justo” aos leitores. Falta, por isso, na minha opinião, uma espécie de “regulação cronista” para que a sociedade seja mais plural e democrata, em que os cidadãos possam ver discutidos todos os temas económicos relevantes e analisar criticamente as notícias sob todos os pontos de vista, e não apenas a partir da “verdade” dos cronistas do sistema.