José António Moreira, OBEGEF

Um processo, no mínimo, “nubloso”, onde a primeira ideia que vem à mente, face aos contornos, é “corrupção”

1. A Câmara de Barcelos foi uma das muitas entidades públicas que se socorreu de parcerias público privadas (PPP). Conforme o jornal Público de 29 de março de 2015 detalha, em 2003, no âmbito de um processo de concessão do serviço público de fornecimento de água e gestão do saneamento, aquela câmara entregou esse serviço a uma empresa privada. Um processo, no mínimo, “nubloso”, onde a primeira ideia que vem à mente, face aos contornos, é “corrupção”. O contrato assentou em pressupostos de consumo e utilização da rede que, desde o início se afiguravam irrealistas; o presidente da autarquia à data centralizou em si a (efetiva) condução do processo, embora parecesse ter uma relação pessoal com a empresa que veio a ser escolhida; não solicitou pareceres para fundamentar as componentes do contrato, ou auxilio para elaborar este; as comissões de acompanhamento do processo, formadas por funcionários camarários, (efetivamente) não funcionaram. A rentabilidade do concessionário – neste caso 10,3% (sem risco!) –, assegurada por contrato e baseada nos ditos pressupostos, implicou indemnizações de reequilíbrio financeiro avultadas que as receitas da autarquia não conseguem cobrir. Um novo presidente em 2009, eleito sob a promessa de denunciar o contrato com a concessionária, abreviou o percurso da autarquia para o abismo. Tribunal arbitral primeiro, tribunal administrativo depois, deram razão à empresa concessionária. A autarquia tem de a compensar em montante superior ao triplo das receitas anuais da autarquia.

2. Pardieiros (da Benfeita) é uma aldeia encrustada numa das vertentes da Serra do Açor, branca no meio do verde da imensa mata de pinheiros. Apesar do povoado edificado dar ideia diferente, a população residente permanente atual não é muito superior a 50 habitantes. Na berma da estreita estrada que a atravessa, fica o edifício branco da Comissão de Melhoramentos, que é, simultaneamente, a sede desta e o único café, restaurante e pensão em muitos quilómetros em redor. A curiosidade de quem aí chega para pernoitar, e quer saber o que é a Comissão, satisfaz-se com a leitura de uma curta memória descritiva afixada na porta de entrada de um pequeno museu etnográfico que ocupa parte do rés-do-chão. É uma associação de naturais da aldeia que, fundada em 1930 e efetivamente ativa desde 1950, teve e tem como objetivo, fazendo jus à sua denominação, intervir no sentido de fornecer serviços e implantar infraestruturas que melhorem as condições de vida da população. Entre os principais melhoramentos, encontra-se o alcatroamento da estrada, a instalação do telefone e da eletricidade, o transporte rodoviário diário (ainda hoje parte ao nascer do dia para a sede do concelho e volta ao anoitecer), o centro recreativo e cultural, o campo de jogos, a escola (hoje desativada por falta de crianças), a igreja, a capela da Nossa Senhora da Saúde, e ainda a distribuição de água ao domicílio e tratamento de esgotos. Neste particular, talvez não seja por muito tempo que os habitantes de Pardieiros, e associados da Comissão, poderão usufruir do serviço por uma quota anual que corresponde a menos do que um qualquer cidadão paga a um município por mês de idêntico serviço. A autarquia impõe que seja a empresa municipal a prestar o serviço.

3. No primeiro caso, o mecanismo autárquico de exercício do poder, baseado em pesos e contrapesos, não funcionou, permitindo que uma só pessoa tomasse a decisão que acabou por conduzir a autarquia à insolvência. No segundo, um processo associativo impar está prestes a ser cerceado, para centralização na autarquia do poder de decisão sobre o bem-estar coletivo da comunidade.